Alice no Pais das Maravilhas

Por que comecei a ler a esse livro depois de grande

Publicado em 24 de Dezembro de 2016

 

Aparentemente uma história para crianças, mas que na verdade, talvez seja a critica mais severa a racionalidade que nós temos. O grande barato em Alice no Pais das Maravilhas é que tudo são regras: as regras da etiqueta, as regras da poesia, as regras do julgamento, as regras do palácio.

As regras olhadas internamente, o sistema faz sentido, mas essas regras na sua relação com mundo externo é uma loucura completa. Alice mora em “England”, quando ela vai para “Wonderland”, um outro mundo, ela acha que as regras de England ainda tem que valer em Wonderland. Ela acha que as regras que existem, as regras racionais são universais e se aplicam a qualquer lugar que exista sem nenhuma diferença.

Essa é a grande loucura do coração da modernidade: achar que existe uma noção de verdade que uma vez descoberta pode ser espalhada pelo mundo. O processo colonial da na Africa, na Ásia e a violência que o acompanhou em grande parte vem dessa premissa. É a loucura da gente achar que a razão é abstrata e universal e independe da condição histórica em que ela está.

Muito interessante é que no começo do livro, a irmã da Alice está lendo um livrinho que não tem dialogo nem figura. Para que serve um livro que não tem dialogo nem figura? Um livro desse é um livro de teoria e não um livro de romance, onde em um livro de romance a ideia é mimetizar a vida, e a Alice se interessa pela vida e não pela teoria.

Se Alice tivesse com o nariz enfiado no livro nunca teria visto o coelho branco passar. Se não tivesse tido a coragem de se jogar de cabeça em um lugar que ela não conhecia nunca teria vivido o que viveu.

No final da história quando os guardas vem prende-la no julgamento ela fala: “vocês não passam de um bando de cartas” e ai ela acorda. Algo é muito importante aqui: qual é o valor da carta três em um baralho, é uma carta boa ou ruim de se tirar? Depende do jogo que você está jogando. Se eu estou jogando com você um jogo, eu sei as cartas que você tem, e quais cartas eu tenho e eu estabeleço as regras do jogo, adivinha quem vai ganhar?

Um livro do século XIX, aparentemente ingenuo, aparentemente inocente nos mostra o avesso de uma realidade que nos assombra.

A lagarta e Alice olharam-se por algum tempo em silêncio. Por fim, a Lagarta tirou o narguilé da boca e dirigiu-se a Alice com uma voz lânguida e sonolenta.

“Quem é você?”, disse a Lagarta.

Não era um começo de conversa muito estimulante. Alice respondeu um pouco tímida:

“Eu… eu… no momento não sei, minha senhora… pelo menos sei quem eu era quando me levantei hoje de manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde então”.

“O que você quer dizer?”, disse a Lagarta ríspida, “Explique-se!”

“Acho que infelizmente não posso me explicar, minha senhora”, disse Alice, “porque já não sou eu, entende?”

“Não entendo”, disse a Lagarta.

“Receio não poder me expressar mais claramente”, respondeu Alice muito polida, “pois, para começo de conversa, não entendo a mim mesma. Ter muitos tamanhos num mesmo dia é muito confuso.”

“Não é”, disse a Lagarta.

“Bem, talvez ainda não pense assim”, disse Alice. “Mas quando se transformar numa crisálida — o que vai acontecer um dia, sabe — e depois disso numa borboleta, acho que vai se sentir um pouco esquisita, não acha?”

“Nem um pouco”, disse a Lagarta.

“Bem, talvez seus sentimentos sejam diferentes”, disse Alice. “O que sei é que eu iria me sentir esquisita.”

“Você!”, disse a Lagarta com desdém.

“Quem é você?”

O que as levou de volta ao começo da conversa. Alice sentiu-se um pouco irritada com o fato de a lagarta fazer comentários tão curtos, e espichou-se para dizer muito séria: “Acho que deve me dizer primeiro quem é a senhora”.

“Por quê?”, disse a Lagarta.

Era outra pergunta intrigante, e como Alice não conseguia pensar em nenhuma boa razão, e a Lagarta não parecia estar num estado de espirito muito agradável, ela virou-se e foi embora.

“Volte!”, chamou a Lagarta. “Tenho algo importante a dizer!”

Isso parecia promissor, sem dúvida. Alice virou-se e voltou para perto do cogumelo.

“Não perca as estribeiras”, disse a Lagarta.

“É só isso?”, disse Alice, engolindo a raiva da melhor maneira possível.

“Não”, disse a Lagarta.

Alice achou que era melhor esperar, pois não tinha nada mais para fazer, e a Lagarta poderia afinal dizer alguma coisa que valesse a pena escutar. Durante alguns minutos, ela deu algumas baforadas sem falar, mas por fim descruzou os braços, tirou o narguilé da boca e disse: “Então você acha que mudou, não é?”.

“Receio que sim, minha senhora”, disse Alice. “Não me lembro mais das coisas como antes… e não conservo o mesmo tamanho nem por dez minutos!”

“De que coisas você não se lembra?”, disse a Lagarta

[…]

“De que tamanho você quer ser?”, perguntou a Lagarta.

“Oh, não sou exigente quanto ao tamanho”, Alice apressou-se a responder. “Só que ninguém gosta de ficar mudando a toda hora entende?”

“Não entendo”, disse a Lagarta.

Alice não disse nada. Ela nunca fora tão contestada em toda a sua vida, e sentia que ia perder as estribeiras.

“Você está satisfeita agora?”, disse a Lagarta.

“Bem, gostaria de ser um pouquinho maior, minha senhora, se não se importasse”

 

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Fontes e Referências

Livro: Alice no Pais das Maravilhas – Lewis Carrol

 

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