Bandido bom é bandido Morto?

De 1478 até 2017, parece que nada mudou na nossa humanidade

Publicado em 14 de Janeiro de 2017

 

A foto acima é perfeita para o que eu quero escrever nesse texto. Nela temos quatro jovens entre 16 e 20 anos de idade que foram presos após cometerem um roubo na região de Cuiabá. O que mais me chama atenção na imagem, é que os quatro jovens me parecem saudáveis, com um ótimo vigor físico, não me parecem ter nenhuma limitação física ou mental para o trabalho. E pela idade, estão em uma ótima fase para aprender uma profissão e dar rumos a vida. Mesmo assim, ambos acabaram caindo no mundo do crime.

Os mais conservadores, as páginas das redes sociais, e inúmeras pessoas radicais da “lei e da ordem” esbravejam: “bandido bom é bandido morto” ou “tinha que matar tudo essa raça”. Essas são frases fáceis de ler e ouvir por ai, até mesmo na mídia, alguns programas de televisão, apresentadores ou personalidades famosas, adoram criticar esse marginais que merecem a mais terrível punição por tirar o patrimônio do “trabalhador de bem” — isso tudo é claro em 2017.

Tomás Morus (1478–1535), humanista e jurista inglês, foi chanceler do reino da Inglaterra e um dos pensadores mais destacados de seu tempo. A formação de Tomás Morus foi basicamente por ter viajado o mundo durante o século XV como embaixador da Inglaterra, o que lhe permitiu ter conhecido inúmeras culturas e politicas diferentes. Em certa ocasião, quando retornou para a Inglaterra, Tomás Morus teve a oportunidade de estar presente em uma conversa com um membro do Estado, e um cardeal da igreja católica. Nessa ocasião, Tomás Morus aproveitou para questiona-los sobre uma cena que viu quando chegou a Inglaterra: vários ladrões estavam na forca, condenados a morte. Havia até certo consenso de que a forca era uma punição exagerada para um roubo, porém, a sociedade inglesa daquela época, entendia que era bom esse tipo de punição para desencorajar outras pessoas que cometerem roubos.

Essa discussão se deu da seguinte forma:

Eu me encontrava por acaso à sua mesa no dia em que lá estava, também um leigo muito aferrado ao direito inglês, o qual, a propósito de não sei que assunto, pôs-se a enaltecer com vigor a inflexível justiça que se exercia entre vocês, naquela época, contra ladrões, ele dizia que se podia ver, aqui e acolá, uns vinte deles enforcados na mesma cruz. E ele se perguntava com muito espanto, considerando que poucos escapavam ao suplício, que má sorte fazia com que houvesse ainda tantos ladrões pelas ruas. Eu disse então, pois ousava falar livremente na presença do cardeal:

– Não há nada de surpreendente nisso. Com efeito, esse castigo vai além do direito sem na verdade servir ao interesse público. Ele é ao mesmo tempo demasiado cruel para punir o roubo e importante para impedi-lo. Um roubo simples não é um crime tão grande que deva ser pago com a vida. Por outro lado, nenhum castigo conseguirá impedir o roubo por parte daqueles que não tem nenhum outro meio de sobrevivência. Seu povo e a maior parte dos outros me parecem agir, nesse ponto, como aqueles maus professores que se ocupam em bater em seus alunos em vez de instruí-los. Decretam-se contra o ladrão apenas penas duras e terríveis quando o melhor seria providenciar-lhe meios de viver, a fim de que ninguém se veja na cruel necessidade de roubar primeiro e ser enforcado depois.

– Mas — disse o outro — providências suficientes foram tomadas. Há indústrias, há agricultura, eles poderiam ganhar a vida dessa forma, se não preferissem ser desonestos.

– Você não escapará assim — respondi — Não falarei sequer dos que frequentemente voltam mutilados das guerras civis e estrangeiras, como foi o caso entre vocês da insurreição da Cornualha e, pouco antes, da campanha da França, e que perderam seus braços e pernas defendendo o Estado o rei. Sua fraqueza não mais lhe permite exercer a antiga profissão; sua idade não lhes permite aprender outra. Deixemos esses de lado, já que as guerras só surgem por intervalos. Detenhamo-nos no que acontece todos os dias.

Há uma quantidade de nobres que passam a vida sem fazer nada, zangões nutridos do trabalho alheio, e que, além disso, para aumentar seus rendimentos, tosquiam até a carne viva os meeiros de suas terras. Não concebem outra maneira de fazer economias, pródigos em relação a todo o resto, até se reduzirem eles próprios à mendicidade. E ainda por cima arrastam consigo um cortejo de preguiçosos que jamais aprenderam um oficio capaz de lhes dar o pão. Essa gente, seu seu mestre vem a morrer ou se eles próprios adoecem, é imediatamente posta na rua. Pois aceita-se mais facilmente alimentar desocupados que doentes, sem contar que muitas vezes o herdeiro de um domínio não tem de imediato condições de manter a gente da casa defunto. Com isso, os pobres-diabos são vigorosamente privados de comida, a menos que roubem vigorosamente. Que outra coisa poderiam fazer? Quando, à força de vagarem por aqui e ali, gastaram aos poucos as roupas e a saúde, quando estão degradados pela doença e cobertos de andrajos, os nobres não consentem mais abrir-lhes a porta; tampouco os camponeses se arriscam a isso, sabendo muito bem que quem foi educado indolentemente no luxo e na abundância, quem sabe manejar apenas o sabre e o escudo, quem olha os outros com desprezo do alto de suas maneiras distintas, jamais será capaz de servir fielmente um pobre homem, com a pá e a enxada, em troca de um magro salário e uma ração avaramente medida.

Percebam que o mesmo que acontecia em 1478, acontece hoje em 2017. Será que a nossa humanidade não cresceu nada de lá para cá? Tantos por ai ainda pregando o ódio e punição severas ao invés de pedir com a mesma convicção de que as pessoas tivessem instruções, oportunidades e meios de terem uma profissão.

E não me venham falar que é isso causa da direita, esquerda, comunistas ou capitalistas, isso é uma causa social que tem a ver com o quanto temos de humanidade em saber olhar e compreender o homem.

É claro que não quero aqui justificar o roubo, o crime ou a marginalidade, mas sim, tentar que mais e mais pessoas possam fazer outros menos afortunados terem oportunidades. Eu também já fui assaltado, eu também já tive familiares roubados, eu também quero proteger meu patrimônio. Mas da mesma forma que eu tenho um oficio, que me da sustento e me permite que eu compre as mais incríveis coisas inúteis do mundo, todos deveriam ter essa mesma oportunidade. – Terra para os Lavradores — Sun Yat Sen (1866–1925)

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Fontes e Referências

Terra para os Lavradores — Sun Yat Sen (1866–1925)

 

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