O Povo e a Cultura Cigana

Contexto histórico

Publicado dia 20 de Maio de 2018

 

Imagine um mundo em que as pessoas não tenham endereço fixo, documentos, conta em banco, carteira assinada nem história. E que a vida deles passe despercebida, como se não existisse. Que a única certeza é que nunca faltará preconceito e ignorância, medo e fascínio, injustiças e alegrias ao longo de sua interminável jornada. Bem-vindo ao mundo cigano.

O universo cigano é tão antigo e extenso, tão cheio de crenças e histórias que nem mesmo seu próprio povo conhece bem o limite entre verdade e lenda. É que o nome “cigano” designa muitos povos espalhados por quase todas as regiões do mundo. Povos com diferentes cores, crenças, religiões, costumes, rituais, que, por razões às vezes difíceis de compreender, foram abrigados sob esse o imenso guarda-chuva (assim como populações muito diferentes são chamadas de índios).

A história dos ciganos é toda baseada em suposições. E a razão é simples: faltam documentos. Os ciganos são um povo sem escrita. Eles nunca deixaram nenhum registro que pudesse explicar suas origens e seus costumes. Suas tradições são transmitidas oralmente, mas nem disso eles fazem muita questão — os ciganos vivem o hoje, não se interessam por nenhum resquício do passado e não se esforçam por se manterem unidos. A dificuldade em se fixar, o conceito quase inexistente de propriedade e a forma com que lidam com a morte — eliminando todos os pertences do falecido — dificultam ainda mais o trabalho aprofundado de pesquisa.

Pouco se sabe sobre a origem dos ciganos — que, assim como quase tudo que diz respeito a eles, está marcada por fantasias. Alguns dizem que eles descendem de egípcios do tempo dos faraós. Outros, de uma região conhecida como “Novo Egito”, na Grécia — daí a palavra “cigano”, que vem de “egipciano”. Essa história, contudo, é totalmente descartada por estudiosos do assunto. Para eles, os ciganos teriam vindo do Paquistão e do norte da Índia, nos atuais Rajastão e Punjab. A maior prova disso vem de estudos lingüísticos. O romani, a língua falada por eles, possui grandes semelhanças com o hindi, falado na Índia. A análise biológica corrobora essa tese. Um estudo realizado com integrantes de comunidades ciganas da Europa demonstrou que era possível traçar a origem indiana de boa parte dos ciganos pesquisados.

Uma teoria, contudo, é aceita pela maioria dos especialistas. A partir da constatação da semelhança entre as línguas romani (praticada pelos rom, o maior dos grupos ciganos) e hindi (variação do sânscrito, praticada no noroeste da Índia, onde hoje fica o Paquistão), foi possível elucidar a primeira e grande diáspora cigana. Um grande contingente, formado, possivelmente, por uma casta de guerreiros, teria abandonado a Índia no século 11, quando o sultão persa Mahmoud Ghazni invadiu e dominou o norte do país. De lá, emigraram para a Pérsia, onde hoje fica o Irã. A natureza nômade de muitos grupos ciganos, entretanto, também permite supor um movimento natural de imigração que tenha chegado à Europa conforme suas cidades se desenvolviam, oferecendo oportunidades de negócios para toda sorte de viajantes e peregrinos.

É provável que, pelo caminho, por volta do século 15, tenham passado pelo Pequeno Egito, uma região do Peloponeso, no interior da Grécia. Pelo menos era de lá que eles diziam vir a quem perguntava a sua origem. Daí o nome gypsy (em inglês), ou gitanos (em espanhol). Mas, antes disso, ainda no século 13, um documento escrito por um patriarca de Constantinopla já advertia sobre a presença dos adingánous, um povo errante que, dizia, ensinava coisas diabólicas. O registro é o primeiro a tratar os ciganos de forma pejorativa e a registrar o medo que as cidades europeias sentiam de suas caravanas. Era o começo da sina cigana.

“Desde o início do contato com o Ocidente, eles foram causa de conflitos, provocadores de desordem e subversivos ao sistema. E sofreram todo tipo de perseguições religiosa, cultural, política e racial”, diz Aluízio Azevedo, mestre em história cigana pela Universidade Federal de Mato Grosso e ele mesmo um cigano calon (veja mais abaixo na postagem a divisão dos grupos ciganos). É difícil saber o que veio primeiro: hábitos pouco ortodoxos ou o preconceito em relação a uma cultura tão diferente. Os ciganos tinham a pele escura, muitos filhos, uma língua indecifrável e origem desconhecida. Talvez a falta de oportunidades de emprego tenha sido a causa do seu destino artístico. Eram enxotados e então se mudavam, levando novidades dos lugares de onde vinham. Assim, surgiu a fama de mágicos, feiticeiros. Se todos acreditavam nisso, por que não aproveitar para fazer dinheiro? E, então, as mulheres passaram a ler as mãos, a prever o futuro. Negociar objetos era outra forma de sobrevivência: os ciganos tinham acesso a mercadorias “exóticas” e podiam levar sua tralha para onde quer que fossem.

Os bandos que chegavam ao continente europeu eram liderados por falsos condes, duques ou outros títulos de nobreza. Observando os peregrinos europeus, que entravam e saíam facilmente das cidades, copiaram a ideia de salvo-conduto — uma espécie de pai do passaporte. Os ciganos inventavam que seus documentos haviam sido expedidos por Sigismundo, rei da Hungria. Justificavam a vida nômade dizendo que bispos os haviam condenado a peregrinar durante 7 anos como penitência pelo abandono da fé cristã. Alguns dos salvos-condutos permitiam até que furtassem quem não lhes desse esmolas. Uma tática para aumentar a chance de ser aceitos nas comunidades, fazer negócios e exibir seus dons artísticos. Até que a farsa acabava e eles pulavam novamente para outra cidade.

“Parece que os ciganos vieram ao mundo somente para ser ladrões: nascem de pais ladrões, criam-se com ladrões, estudam para ser ladrões (…).”

– La Gitanilla, Miguel de Cervantes, 1613.

Durante a Reconquista Cristã de 1492, na península Ibérica, árabes, judeus e ciganos foram expulsos — muitos deles vieram para as Américas. Um século mais tarde, eram varridos da França, por Luís 12, e da Inglaterra, por Henrique 8o. Logo depois, a rainha Elisabeth 1a decretou que ser cigano era crime punido com morte. Uma das lendas que surgiram nessa época, e que até hoje perdura, é a de que um dos ferreiros que fizeram os pregos que prenderam Jesus na cruz era cigano. Por isso, sua gente teria sido amaldiçoada com uma vida nômade. E dessa forma construiu-se a imagem de povo errante, místico, perigoso e contraventor. Assim, no contato com as imagens construídas e alimentadas no Ocidente, foi criado o conceito de um povo cigano.

 

Ciganos no Brasil

No Brasil, precisamos fazer uma distinção sobre as comunidades atuais de ciganos, e a imagem/arquétipo cigano nas linhas de Umbanda:

Etnicidades Ciganas do Brasil

Etnicidade é o conjunto de características comuns a um grupo de pessoas, que as diferenciam de outro grupo. Normalmente essas características incluem a língua, a cultura e também a noção de uma origem comum.

O conceito de “etnicidade” tem um significado puramente social, está mais ligado à cultura do que um conceito de raça. Portanto, pessoas ligadas à questão cigana incorrem em grande erro quando dizem: “meu povo” ou “povo cigano”.

Grupo Calon:

Devemos observar que a etnicidade do Calon, que hoje vive aqui no Brasil, engloba as influencias obtidas quando de sua passagem pela Turquia, Grécia, Espanha e Portugal. Os Calon foram os primeiros ciganos a chegar ao Brasil, no século XVI, como degredados de Portugal. Na etnicidade do grupo Calon as maiores características são: “o estilo de vida”, “a língua” e as relações de parentesco.

Estilo de vida: a maioria dos Calon vive em áreas de pouso (que são terrenos usados para acampar, públicos ou privados, cedidos, ocupados ou arrendados) que se situam nas periferias, estrategicamente próximos a estações ferroviárias e metroviárias para facilitar o fluxo comercial de homens e mulheres. Os homens trabalham no comercio informal com a compra e venda de ferramentas, negociam a troca desde carros usados a aparelhos eletrônicos e também agiotagem. Esse modo de vida urbana interage simultaneamente com uma forma de vida rural: nos pousos ou acampamentos criam: galinhas, porcos e, não raro, cavalos. No vestuário os homens adotam um visual estilo “country” — chapéu de vaqueiro, bota e cinturão. As mulheres, por sua vez, realizam diariamente a leitura da “draba” (leitura de mão) nos centros da cidade e os valores auferidos desse meio serão utilizados nas despesas do dia-a-dia. Mas no vestuário elas mantiveram cores e desenhos que nos fazem lembrar o vestuário de ciganas Banjaras da Índia. A música que os Calon consideram como música cigana possui apenas duas variantes: no sul e sudeste, a música sertaneja; e no norte e nordeste, o forró.

A língua: os Calon brasileiros sempre utilizaram o português como língua de comunicação e dentro da língua portuguesa incluíram um paradialeto do Romani que eles denominam de “shib” (que em Romani significa língua). Portanto, esse paradialeto nada mais é do que um repertório linguístico que tenta salvaguardar um espaço imaginário entre o grupo Calon e o não cigano. A construção da frase sempre ocorre em português com o acréscimo deste repertorio em “shib”, exemplo: ‘ce vai na gav hoje dá a drabe ou vai te que malarda manhã?

Quantidade aproximada de ciganos do grupo Calon por região:

 

O grande problema da etnicidade Calon encontra-se dividido em quatro dimensões:

A problemática social: as desigualdades sociais e a falta de politicas de integração;

A problemática cultural: a língua, os valores e crenças religiosas, as tradições culturais e os estilos de vida e as relações de parentesco que são muito diversas de família para família;

A problemática politica: a falta de organização interna da comunidade face ao meio não cigano e a falta de autoridade interna nos dias de hoje;

A problemática do pluralismo: os Calon de diversas regiões não se reconhecem como indivíduos de uma mesma etnia.

Grupo Roma:

Devemos observar, também, que a etnicidade dos Roma, que hoje vivem aqui, engloba um numero bem maior de influencias. E tais, influencias, foram adquiridas em regiões pelas quais passaram, antes de chegarem ao Brasil.

Uma forte característica da etnicidade dos Roma tem a ver com o fato de que se organizam em subgrupos de origens histórica e geográfica, completamente diferentes entre si denominados “natsias” (nações). Tais como: Ambrelara, Arlie, Asurara, Aurari, Ayjides — Mechkara — Ursari, Balaara, Beasha, Bergitska, Bohemiens, Boiasha, Burgenland, Cale, Cerhara, Chuxni, Churara, Domaca, Domí, Druckara, Djambaza, Djugí, Fuyudj, Ghurbat, Lovara, Calderara, Labanci, Latfika, Lom, Lúrí, Machvaia, Patavara, Seliyeri, Tattare, Vichodnara, Xoraxane, Zapadnara, Zargar.

Grupo Sinti

Os Sinti chegaram à Alemanha e Áustria ainda na Idade Média, divididos em dois grupos: Eftavagaria (as sete caravanas) e Estraxaria (austríacos). Estes grupos originários se expandiram: o “eftavargaria” na França onde hoje são conhecidos e autodenominados por Manush e os “estraxaria” na Itália (na região de Piemonte). No Brasil a presença Sinti sempre foi insignificante em termos numéricos. Apenas algumas famílias.

Destacamos que na etnicidade sinti o papel da família é crucial para o desenvolvimento do individuo. Costumamos dizer que: a família é a pátria (visto que ela é responsável por nossa defesa física e espiritual, educação, e relações econômicas). O indivíduo “manush” fundamenta sua identidade pela família e não somente pelo grupo. É justamente na família que ele constrói sua personalidade social. A família é a rede social primária, e não a relação de parentesco que ocorre entre outros grupos de ciganos como os roma e os calon de família extensa.

A família deixa claro ao individuo “manush” que sua personalidade e identidade são construídas em torno de uma indivisibilidade do ser. Cada “manush” tem, no minimo, dois nomes, o nome para lidar com o “gazho” (não cigano) e o nome usado pela comunidade.

 

A linha Cigana na Umbanda

A cerca de 26 anos que a existe na Umbanda a linha dos Ciganos:

A linha dos Ciganos, traz em sua mensagem o ímpeto pelo desapego, pela liberdade, pelo amor e pela alegria de viver:

Na visão umbandista é muito forte a imagem de Santa Sara, ou Santa Sara de Kali, a Santa dos ciganos:

 

Santa Sara de Kali

Considerada a padroeira das mulheres grávidas e dos desesperados, Santa Sara teria convivido com Jesus Cristo durante sua vida terrena, ela era servente de uma das três Marias que acompanhavam Jesus Cristo em sua pregação.

 

Por volta de 48 d.C, Santa Sara, juntamente com as três Marias (Maria Salomé, Maria Madalena e Maria Jacobina), foram colocadas em um barco sem remo e sem qualquer mantimento e jogadas à deriva no mar para morrerem. Este ato fazia parte da perseguição que todos os cristãos sofreram após a crucificação do Messias.

 

Sara também fez uma promessa individual, a de que se conseguisse sobreviver, passaria a usar o lenço em sua cabeça pelo resto de sua vida, tal gesto simboliza a sua decisão de se manter pura pelo resto de sua vida e entregar seu coração somente a Cristo e continuar assim, a missão que ele começou na Terra. Por este gesto, é que a Santa sempre recebe lenços em sua imagem quando alguma graça é alcançada por um devoto.

A Oração de Santa Sara


Brasil Ciganos Cultura História

Fontes e Referências

História dos Ciganos (Historia Net) — http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=965;

A Saga Cigana (Super Interessante) — https://super.abril.com.br/cultura/a-saga-cigana/;

Santa Sara de Kali (IQuilibrio) — https://www.iquilibrio.com/blog/espiritualidade/cristianismo/santa-sara-de-kali/;

Povo Cigano na Umbabda (texto de Júlia Pereira) — https://umbandaead.blog.br/2016/11/10/povo-cigano-umbanda/;

Etnicidades Ciganas no Brasil (texto por Nicolas Ramanush) — http://www.embaixadacigana.org.br/etnicidades_ciganas_no_brasil.html

 

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