Os quatros elementos no Tarô

Os quatro elementos, qualidades, humores e tipos

Publicado em 9 de Agosto de 2017

 

Em qualquer texto sobre esoterismo, seja sobre astrologia, Tarô, ou qualquer outro assunto do gênero, é fácil encontrar referências a um dos quatros elementos: ar, terra, fogo e água. Mas quais as conexões históricas nos trouxeram tal simbolismo?

Embora o alquimista Etteilla tenha sido o primeiro a explicitamente fazer a conexão entre os quatro naipes do tarô e os elementos alquímicos, havia alusões a tal conexão em comentários mais antigos. Essa associação começou logo depois de as cartas serem introduzidas na Europa. A primeira pista é a divisão masculina e feminina dos naipes, que também faz parte da teoria dos quatro elementos desde o começo;

Na tradição filosófica ocidental, a teoria dos quatros elementos é atribuída ao filósofo pitagórico Empédocles, do século V. Ainda que pelos padrões modernos nós o consideremos um físico, ele se considerava um mago e escreveu suas teorias em formato poético. Não temos nenhuma das obras completas de Empédocles, apenas um fragmento poético no qual ele escrevia sobre os elementos. Peter Kingsley, em seu livro Ancient Philosophy, Mystery and Magic: Empédocles and the Pythagorean Tradition (“Antiga filosofia, mistério e magia: Empédocles e a tradição pitagórica”), fornece a seguinte tradução:

Ouça primeiro as quatro raízes de todas as coisas: Ofuscante Zeus, fértil Hera, Aidoneus e Nestis, que umedece as fontes dos mortais com suas lágrimas.

Kingsley nos conta que “raízes” é a palavra que Empédocles usa para os elementos e que ele esta claramente fazendo uma correlação entre os elementos e os quatro deuses, Zeus, o rei dos céus, representa o Ar; Hera, sua esposa e deusa da Terra, representa o elemento TerraAidoneus é um nome alternativo para Hades, o deus do submundo, cujo elemento é o Fogo; e Nestis é um nome siciliano para Perséfone, a donzela que Hades abduziu e forçou a se casar com ele, por isso as lágrimas e o elemento Água.

Esse exemplo ensina duas coisas. Primeiro, que as correlações entre os elementos e outros sistemas quádruplos eram praticados desde o principio dessa teoria e são parte natural das teorias ocidentais sobre os elementos. Empédocles vê os elementos como dois pares de casais, igualmente divididos entre os sexos. Essa divisão de macho e fêmea, com Ar e Fogo sendo masculinos e Terra e Água sendo femininos, foi mantida em toda a literatura alquímica até o presente. Estamos vendo que os naipes do tarô tiveram uma divisão similar desde o começo e que a melhor correção entre os naipes e os elementos deveria honrar esse equilíbrio sexual. Também encontramos dois casais simbolizando a divisão do mundo em quatro, representada nos Arcanos dois ao trunfo cinco, da Papisa até o Papa.

Abaixo temos o casal Imperatriz e Imperador do Tarô de Marselha:

 

 

Outro casal, Papisa e o Papa do Tarô de Marselha, com isso, temos os dois casais, fazendo a representação dos quatro elementos:

 

 

O interessante da analise das quatro cartas acima, é que o primeiro casal, Imperatriz e Imperador, parecem que se olham, como se bastasse um olhar e um entende o outro completamente. No Tarô alquímico de Robert Place, mostra esse casal nu, mostrando que são apenas “humanos”, e naturalmente vivem uma relação além de espiritual, também canal, que o autor representou na carta dos Enamorados como a “conjunção”:

 

 

 

Já no casal da Papisa e do Papa, eles estão um de costas para o outro, mostrando que apesar de serem um casal, cada um tem objetivos opostos um do outro, e pelo cargo que possuem, não terão uma relação carnal e sim espiritual e guiada pela responsabilidade do cargo que ocupam.

 

Arcanos menores

Os símbolos tradicionais dos naipes são quatro ferramentas e, por sua natureza, relacionam-se a diferentes ações humanas, além das emoções e dos temperamentos associados a elas. Ouros sugere comércio e o prazer da prosperidade; copas, beber vinho e alegria; espadas, guerra e raiva; e paus, trabalho e fortaleza. Na Renascença, essa divisão em quatro temperamentos era comumente associada aos quatro humores.

Desde os tempos do antigo médico grego Hipócrates (460–370 a.C.) até o século XIX, o humorismo era uma teoria comum da anatomia e da psicologia humana que ligava os quatro elementos às quatro substâncias líquidas no corpo pela integração de quatro qualidades. Platão baseando-se na teoria de Empédocles sobre os quatro elementos, postulou que havia também quatro qualidades radicais: quente, frio, seco e úmido. Acreditava-se que cada elemento possuía duas qualidades, de modo que cada elemento partilhava uma delas com outro elemento. A qualidade partilhada permitia que um elemento se transformasse no outro, e essa teoria constituía a base da crença alquímica na transmutação.

Os médicos da Antiguidade acreditavam que essas qualidades elementais que existiam em um equilíbrio adequado em um corpo saudável. Nessa teoria, acreditava-se que os humores aumentavam e minguavam no corpo, dependendo da dieta e da atividade. Quanto muito de um humor se acumulava no corpo, poderia levar a doenças. O excesso de um deles também estava associado a um tipo de personalidade ou temperamento: uma pessoa com excesso de fleuma era denominada fleumática e caracterizada como calma; com excesso de sangue, era sanguínea e caracterizada como corajosa; com excesso de bile negra, era melancólica etc.

Por causa dos escritos de Galeno (131–201 d.C.), a teoria dos humores manteve sua popularidade por séculos e era considerada uma ciência de ponta na Renascença, quando o Tarô estava se desenvolvendo. Alimentos e ervas eram usados para equilibrar os humores, além de técnicas como a sangria. A teoria dos quatro humores tornou-se a teoria dominante para explicar a psicologia humana, e vemos sua influência na literatura renascentista, como na peça A megera domada, de Shakespeare, entre outras.

A carta do Mundo no Tarô de Marselha, retrata um individuo em perfeita harmonia entre quatro polaridades, que poderiam ser tanto os quatro elementos, os quatro naipes, ou os quatro humores:

 

Abaixo, cada um dos temperamentos humorais é listado com a descrição de suas características:

Melancólico: corresponde à bile negra e ao elemento Terra. Os melancólicos são pensativos e em geral parecem ponderar ideias de peso. Podem ser gentis, atenciosos e poetas ou artistas visuais altamente criativos. Uma pessoa melancólica é com frequência perfeccionista, e Dürer retratou a Melancolia como a deusa do gênio criativo. Apesar de sua habilidade criativa, também podem se tornar obcecados com tragédias e crueldade e, portanto, deprimidos. Como artista, um melancólico pode se encontrar continuamente insatisfeito com suas obras e desejoso de melhorias.

 

Fleumático: corresponde à fleuma e à Água. Os fleumáticos em geral esbanjam contentamento e gentileza, mas de forma calma e impassível. Podem ser tímidos e preguiçosos e até inibir os outros com sua falta de entusiasmo. São conservadores, racionais, curiosos e observadores. Tornam-se bons administradores e são amigos compreensivos e confiáveis

 

Sanguíneo: está associado ao sangue e ao Ar. Uma pessoa sanguínea é otimista, animada, confiante, popular e alegre. Pode ser sonhadora e em geral têm dificuldades em concluir seus objetivos. Pode ser ainda impulsiva e imprevisível. Pessoas sanguíneas podem ser energéticas, mas maníacas, com dificuldades em direcionar sua energia.

 

Colérico: corresponde à bile amarela e ao Fogo. Uma pessoa colérica é ambiciosa, energética e impetuosa. É gente que faz e também um líder que tenta inspirar as pessoas. Muitos lideres carismáticos militares e políticos eram coléricos. Entretanto, é fácil ficarem com raiva, pode ter temperamento ruim e dominar os outros temperamentos, especialmente os tipos fleumáticos.

 

Jung e as quatro funções psíquicas

Embora já no século XVII cientistas e filósofos descartassem a ideia dos quatros humores controlando temperamentos, os filósofos e psicólogos continuaram a refinar a teoria da personalidade dos quatros tipos até os dias de hoje. Nicholas Culpeper (1616–1654), Immanuel Kant (1754–1804), Rudolph Steiner (1861–1925), Alfred Adler (1870–1937), Eduard Spranger (1882–1963), Erns Kretschmer (1888–1964) e Erich Fromm (1900–1980) trabalharam com teorias dos quatros temperamentos, mas em geral alteravam os nomes. Talvez o mais famoso a examinar essa teoria seja o fundador da psicologia profunda, Carl Jung (1875–1961).

Jung examinou os quatro temperamentos clássicos, mas sentia que eles não eram verdadeiros tipos psicológicos. Descartou a ideia de modificar os temperamentos e, em lugar disso, desenvolveu sua própria teoria quadrupla, baseada em suas próprias observações. Chamou a teoria de “as quatro funções da consciência”, em contraste às suas teorias a respeito da estrutura da mente inconsciente. Batizou suas quatro funções de Sensação, Intuição, Pensamento e Sentimento, e afirmou que cada uma pode se manifestar de forma extrovertida ou introvertida, o que expande a lista para oito tipos.

A seguir está uma lista de cada função e uma descrição do tipo de personalidade no qual ela é dominante. Inclui correlações entre as funções e os elementos, as quais usamos para relacionar as funções os naipes do Tarô. Embora Jung fale do modelo sagrado dos quatro elementos em seu livro sobre as quatro funções, ele não faz correlações entre as duas coisas:

Sensação: A Sensação apenas pergunta se uma coisa existe e demonstra ter talento para manipulá-la. Jung diz: “A Sensação é a função psíquica que intermedeia a percepção do estímulo físico. É, portanto, idêntica à percepção”. Como podemos ver, a Sensação é uma investigação do mundo físico, simbolizado pela Terra e equiparado ao naipe de ouros.

O introvertido talvez tenda a ser artista, ou técnico, e o extrovertido tende a ser engenheiro, contador, construtor ou investigador. A disciplina da Força é necessária para chegar à excelência da Sensação. Para o desenvolvimento dessa virtude, Platão recomendava o exercício físico.

Intuição: A Intuição é um talento para determinar como uma situação se desenvolveu e para onde se encaminha. Jung diz: “É a função que intermedeia percepções de maneira inconsciente”. É uma investigação direcionada ao inconsciente, que em geral é simbolizado pela Água e, portanto, pelo naipe de copas. Como a discípula de Jung, Marie-Louise von Franz, afirmou: “A Água é o símbolo preeminente para o inconsciente”.

O introvertido tende a papéis como o de poeta, místico ou sensitivo. O extrovertido ficaria mais confortável investigando o inconsciente da sociedade e pode se tornar um aventureiro ou empresário. A prudência representa a sabedoria encontrada no inconsciente, por isso Platão acreditava que o que sabemos é, na verdade, lembrado. Na versão estoica do platonismo, a filosofia e a meditação eram recomendadas para desenvolver essa virtude.

Pensamento: Todo mundo pensa que a função Pensamento seja intelectual ou analítica. Ela pergunta por que ou o que é a realidade. Essa é uma função de tomada de decisão. Jung diz: “A expressão Pensamento deveria, em meu modo de ver, restringir-se a juntar ideias por meio de um conceito, em outras palavras, por meio de um ato de julgamento”. Pensar é contundente, porém intangível, como o Ar, e, portanto relacionado ao naipe de espadas.

O introvertido pode tender ao papel de filósofo ou cientista pesquisador, e o extrovertido pode ser economista, juiz ou estadista. A justiça representa a busca da verdade. Na versão estoica do platonismo, o estudo da matemática era recomendado para desenvolver essa virtude.

Sentimento: O nome é muitas vezes incompreendido. Para Jung, Sentimentos não são emoções. Ele chama as emoções de “afetos”, que podem surgir de quaisquer funções. Os sentimentos não criam efeitos na face ou no corpo. São muitos mais profundos do que as emoções. Jung diz: “É recomendável distinguir afeto de Sentimento, já que o Sentimento pode ser uma função voluntariamente descartável, enquanto o afeto, em geral, não é”.

O Sentimento é como uma função de tomada de decisão que determina se algo é bom ou ruim. Como Jung diz, o Sentimento “da ao conteúdo um valor definido no sentido de aceitação ou rejeição (gosto ou desgosto)”. O Sentimento motiva a pessoa a ação, o que é simbolizado pelo Fogo e o naipe de paus. Chorar e gritar são demonstrações de emoção, mas a raiva pode ser um sentimento, a alegria e a gargalhada são emoções, mas o amor pode ser um Sentimento.

Um introvertido pode demonstrar talento como curador, educador, músico ou monge; um extrovertido pode tornar-se um cantor, organizador social ou político. A temperança é necessária para evitar que o Sentimento prevaleça sobre a personalidade. A música é o estudo que Platão recomendava para desenvolver essa virtude e, portanto, essa função.

 

Apesar do nome da ação humana associada a cada naipe, quando os autores que escrevem sobre o tarô estão descrevendo as características dos naipes, o mais comum é atribuírem qualidades de Sentimentos para paus e de Intuição para copas. Por exemplo, em Setenta e oito graus de sabedoria, a autora Rachel Pollack diz:

Paus lutam constantemente, não tanto devido a problemas e objetivos reais, mas por gostarem de conflito, de uma oportunidade para usarem toda energia. Nos negócios, Paus representam comércio e competição. no amor, simbolizam romance, propostas, o ato de conquistar um amor e não o Sentimento do próprio amor.

O Fogo representa a ação, a Água, a falta de forma ou a passividade. A Água não simboliza fraqueza, representa antes, o eu íntimo […] A sequência de copas mostra uma experiência intima que flui em vez de limitar, que abre em vez de restringir.

 

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Fontes e Referências

Alquimia e tarô — Robert M. Place (Editora Presságio);

Tipos Psicológicos — C. G. JUNG;

Setenta e Oito Graus de Sabedoria — Rachel Pollack;

Obrigado Ingrid Pereira pela revisão do texto.

 

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