Reflexões sobre o Tarô #4: Shakespeare, Persuasão e o Diabo

Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia

Publicado em 06 de Dezembro de 2016

 

William Shakespeare produziu uma teoria sobre a persuasão que cientista nenhum desvendou. Em muitas de suas obras, há uma ideia recorrente: a comunicação persuasiva, para ser eficiente, pressupõe um fator: as fraquezas humanas. As pessoas são mais facilmente persuadidas quando se apela para o egoísmo, ambições, invejas, ciúmes, paixões, dores, arrependimentos.

A força de um bom argumento, preferencialmente mesclado com sentimento, é decisivo para a persuasão. Julieta, na cena em que está na sacada, pronunciou uma das frases mais célebres da literatura universal:

“Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuaria sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome! Que há num simples nome? O que chamamos Rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteiro”.

O cansaço e o desgaste físico, geralmente, são fatores que aumentam a sugestionabilidade em muitas pessoas. Nas forças armadas a leitura da ordem do dia é realizada depois que os soldados foram submetidos a pesados exercícios e longas marchas. Nas academias de artes marciais, os princípios morais e filosóficos são discutidos ao final do treinamento, quando os alunos já se encontram exauridos. Petrucchio forçou Catarina, imediatamente após o casamento, a viajar sob um inverno rigoroso, ocasião em que ela caiu do cavalo sobre a lama. Já em casa, ralhando com o empregado, alegou que a comida estava ruim jogando-a fora. Com isso deixou Catarina faminta por um longo tempo, levando-a quase ao desespero. Não a deixava dormir à noite, fazendo muito barulho e gritando com os empregados. Não a deixava fazer nenhuma afirmação sem contestá-la. Ao cabo de algum tempo a megera hostil transformou-se em uma mulher gentil, delicada e obediente (A megera Domada).

A Shakespeare não passou despercebido que os seres humanos muitas vezes, tentam convencer não outros, mas a si próprios, especialmente quando precisam justificar suas atitudes e ações. Edmundo (Rei Lear) registra bem esse aspecto:

“Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem — muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos — pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fôssemos criminosos por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbados, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída à influência divina… Ótima escapatória para o homem, esse mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou a minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser violento e lascivo. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de meu nascimento.”

As citações mostram que Shakespeare, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu como é frágil a mente humana. Alguns recursos de comunicação podem induzir pessoas a agirem de maneira que elas não fariam em outras condições.

Desconheço o que ocorre no céu, mas na terra há fatos e atos humanos que, com nossos conhecimentos e concepções filosóficas, mal sonhamos explicar.

A introdução acima, é para falarmos de uma das cartas que mais assusta pessoas que não conhecem ou as já praticantes de estudos sobre o Taro: O Diabo.

 

A primeira vista, a impressão que uma pessoa desatenta pode ter sobre uma carta com tal representação, é de uma influência, ataque, possessão, ou qualquer outro tipo de influência negativa que possa ser atribuída a uma “entidade” maligna que é inevitavelmente culpada por todo o mal que nos acontece, e por que não do mundo.

Esse tipo de pensamento geralmente é acompanhado por uma sensação de alivio, afinal, a pessoa transfere uma culpa, uma responsabilidade dela, para um outro ser, imaginário ou não, que irá receber toda a culpa seja lá o que se esteja transmitindo, imputando para ele.

Porém precisamos observar cada símbolo presente na cena dessa carta. Por mais assustador que parece o monstro terrível no centro da carta, quem está em primeiro plano são dois personagens com feições humanas. Poderíamos dizer que são 100% humanos se não fossem pelos pés, que mais se parecem patas de um animal selvagem. Esses dois personagens parece lhe comunicarem algo: “veja! veja! Olhe como estamos presos a este terrível monstro! Somos pessoas boas, mas aqui estamos cativos e não podemos sair! E por causa disso cometemos as mais terríveis atrocidades… Ó criatura cruel, por que nos aprisiona?”.

Em um primeiro momento você pode até se compadecer desses dois “humanos”, porém perceba que as correntes que os mantem presos pelo pescoço, tem uma certa folga, que lhes permitiram se quisessem realizar a fuga com aparente facilidade. Sabe por que leitor, eles não o fazem? Por que é cômodo para eles, dizerem que estão presos e culparem o Diabo por suas ações.

A real mensagem dessa carta é quando nossos próprios demônios nos manipulam e nos persuadem a agirem como eles querem usando como argumento aquilo que sentimos falta, aquilo que desejamos, aquilo que queremos a todo custo, e na falta dessas coisas, queremos algo que justifique as ações que tomaremos para conquista-las. Ora, afinal o homem por mais racional que se julgue ser, é uma fera selvagem como qualquer outra, e irá fazer qualquer coisa para alcançar os princípios básicos da sobrevivência: alimentar-se e procriar-se. Temos sim é claro, uma tal de “moral”, uma tal de “ética” que faz-nos acreditar que uma coisa ou outra é “boa” ou “ruim. Lembro daquela fábula da Chapeuzinho vermelho, e o “malvado Lobo Mal”, por que o Lobo seria mal se estava em seu habitat, não seria ele apenas o “Lobo” que fez aquilo que Lobos fazem? De certo, chapeuzinho culpou a maldade desse ser, o diabo, a vida, o universo e quem sabe até mesmo o destino pelos fatos que lhe aconteceram. Tola foi a chapeuzinho, que não tinha consciência do mundo em que vive:

Um lobo, muito ferido devido às várias mordidas de cachorros, repousava doente e bastante debilitado em sua toca.

Como estava com fome, ele chamou uma ovelha que ia passando ali perto, e pediu-lhe para trazer um pouco da água de um regato que corria ao lado dela.

“Assim, “ falou o lobo, “se você me trouxer água, eu ficarei em condições de conseguir meu próprio alimento…”

“Claro, “ respondeu a ovelha, “se eu levar água para você, sem dúvida, eu serei esse alimento…”

Essa corrente que foi retratada na carta do Diabo, está presente na vida de muitas pessoas. Quantos acham que são autoritários por que são de Aries, ou por que a Lua está em passando por Sagitário; que são frias por que tem o Sol em Virgem, ou por que passam por momento difíceis por que estão no “retorno de Saturno” ou no famoso Inferno Astral. Temos aqueles que diante de um jogo de tarô com “Torre e Morte” creem estarem imobilizadas para agir. E como vimos, é muito cômodo transferir a nossa culpa e a nossa responsabilidade para outros do que assumir que nada acontecerá sem que isso esteja ligado a nossas ações, escolhas e consciência.

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Fontes e Referências

Introdução sobre Shakespeare tem trechos escritos por Nélson Jahr Garcia, retirados da apresentação do Livro digital RICARDO III (Willian Shakespeare), da editora VirtualBooks.

 

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