Pinóquio de Carlo Collodi

Quero chamá-lo de Pinóquio. Esse nome vai lhe dar sorte

Publicado em 7 de Julho de 2019

 

 

– Era uma vez um pedaço de madeira.
— Mas, como assim, um pedaço de madeira? Esperávamos naves espaciais, alienígenas, vampiros, lobisomens, histórias de amor, guerras ferozes e sanguinárias. Um pedaço de madeira é coisa do século XIX!

Todo mundo trás na lembrança as histórias que nos contavam na infância, mas geralmente, a gente se concentra na primeira camada da narrativa e dificilmente nos aprofundamos nas mensagens por trás do real significado que apenas revisitando esses clássicos podemos encontrar. E hoje vamos revisitar um deles: Pinóquio!

 

Introdução

Quem não conhece o boneco de madeira, de bochechas coradas e olhos azuis, que deseja se tornar um menino de verdade? Pinóquio foi eternizado por Walt Disney com o seu longa-metragem de 1940. Porém, esse personagem da literatura infanto-juvenil é bem mais antigo. “As aventuras de Pinóquio” foi publicada pela primeira vez na Itália em forma de folhetim infantil, entre julho de 1881 e janeiro de 1883, com 36 capítulos. Ao longo das décadas, foi adaptada para diferentes meios de comunicação. A adaptação mais conhecida, sem dúvida, foi a dos estúdios Walt Disney. Porém, não foi a primeira, muito menos a única.

A história “As aventuras de Pinóquio” foi escrita por um jornalista e escritor italiano no ano de 1881, em forma de seriado, para um jornal infantil. Ele se tornou mundialmente conhecido sob o pseudônimo de Carlo Collodi, mas seu nome verdadeiro era Carlo Lorenzini.

Lorenzini nasceu em Florença, no dia 24 de novembro de 1826, e desde pequeno mostrou-se um aluno inquieto. Em Memórias de Carlo Collodi, ele mesmo nos conta um segredo:

“E agora, adivinhem quem era o aluno mais preguiçoso, mais agitado e mais impertinente de toda a escola? Se vocês não sabem, vou lhes dizer no ouvido, mas, por favor, não contem para seus pais e suas mães. O aluno mais agitado e impertinente era eu.” (COLLODI, 2001, p. 122).

Até os 17 anos, Lorenzini foi seminarista no colégio religioso degli Scolopi e, logo depois, trabalhou em uma conceituada livraria, onde, a convivência com intelectuais e escritores fez com que despertasse o seu interesse pela literatura e pela política.

Se formou em cultura literária, linguística e musical e, aos 20 anos, em 1846, iniciou na carreira de jornalista, redigindo resenhas e artigos para o jornal L’Italia Musicale, uma das principais revistas especializadas em música da Itália naquela época.

Lorenzini era um jovem cordial, apaixonado por política e com ideais progressistas. Lutou como voluntário, na guerra pela independência de seu país contra os austríacos, em 1848, ao lado do político e militar revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi (1807–1882).

Lorenzini, então, iniciou-se como colaborador em alguns jornais florentinos e depois passou a editar várias publicações que criticavam o governo de sua época. Elas eram dirigidas à camada mais humilde da sociedade e defendiam o ideal de uma Itália republicana, democrática e unida.

Com 22 anos, Lorenzini fundou o seu primeiro jornal, chamado Il Lampione (O Lampião). Era um periódico de grande sucesso por conter ideias liberais e republicanas e considerado um jornal de sátira política. Em 1849, no entanto, foi retirado de circulação pelo governo da época e reaberto apenas 11 anos mais tarde, depois do plebiscito que deu início à unificação da Itália. Durante este tempo, mais precisamente em 1853, Lorenzini fundou um outro periódico humorístico semelhante, chamado La Scaramuccia (A Escaramuça), para substituir O Lampião.

Em 1850, ampliou suas atividades e passou a escrever peças teatrais, tanto teatro lírico quanto teatro em prosa, e obras literárias de ficção e não-ficção. Mas, apesar de escritor, em 1856, aos trinta anos, Lorenzini continuava no meio político e era solicitado e apreciado como diretor e colaborador de numerosos jornais italianos.

Neste mesmo ano, Lorenzini usou pela primeira vez o pseudônimo Collodi para se proteger de possíveis ataques devido a um artigo polêmico que ele havia escrito. Collodi é um vilarejo situado na Toscana, entre os territórios de Lucques e Pistóia, a oeste de Florença. Foi neste povoado que sua mãe nasceu e viveu até se casar, onde Lorenzini passou várias temporadas e, provavelmente, de onde levou muitas lembranças de sua infância. Entre 1870 e 1880, Lorenzini adotou definitivamente o nome artístico Carlo Collodi, e foi com este pseudônimo que conquistou sua fama.

Em 1875, aos 49 anos, Carlo Collodi foi contratado pelo editor Felice Paggi para traduzir um livro francês de fábulas do escritor Charles Perrault (que é considerado o pai da literatura infantil), autor que ele admirava e que o influenciou em suas obras infantis futuras.

Começou, então, publicando em 1876 o seu primeiro trabalho dedicado aos jovens: I racconti delle fate (Recontando o fato). A tradução teve um grande sucesso, o que fez com que Collodi recebesse encomendas de outros livros. Foi neste momento, então, que passou a dedicar-se somente a histórias infantis, pois já estava frustrado com a pouca repercussão de suas obras para adultos. Segundo o dicionário biográfico Universal Três, tudo o que ele havia produzido tinha sido esquecido. Então, Collodi assumiu a sua preferência pela escrita de livros para crianças, pois “os adultos eram muito difíceis de satisfazer”. (Editorial PRESENÇA, 2002)

Começou como tradutor e, depois, como autor de obras literárias escritas para escolas. Por volta de 1877, Collodi publicou seu primeiro volume da série “Gianettino” (Joãozinho) pela editora Paggi que, através de histórias, oferecia conhecimentos inspirados na pedagogia da época. Nesta mesma série, ele publicou livros como: Il viaggio per l’Italia di Giannettino (primeira parte) em 1880; Il viaggio per l’Italia di Giannettino (segunda parte), em 1883; La grammatica di Giannettino, também em 1883; e La geografia di Giannettino, escrita em 1886. Estes livros obtiveram sucesso e foram publicados e utilizados pelas escolas até o final dos anos de 1960. A série do Giannettino foi concluída com a obra La lanterna mágica di Giannetino, com explicações científicas, geográficas e históricas.

Porém, o escritor parecia acompanhar a evolução da literatura infantil de sua época. O ambiente das províncias italianas era representado com uma visão trágica da vida: na “ideia que a dor é a lei da criação, e que ao homem que queira afirmar a própria dignidade, não resta que sofrer em solitária e heroica firmeza.” (LITERATURA ITALIANA). Então, com base a estas ideias, Carlo Collodi começou, gradativamente, a abandonar obras didáticas em favor da fantasia e da emoção.

Carlo Collodi foi um grande escritor da literatura moderna italiana e, segundo a fundação que leva seu nome, “um dos ‘inventores’ dessa língua”. Ele “foi realmente um construtor da língua italiana contemporânea, usando a palavra por quarenta anos como instrumento profissional e artístico, como jornalista e escritor.” (FUNDAÇÃO, 2002, p. 7).

Assim, Collodi escreveu muitas obras com influências trazidas do Romantismo, compondo um panorama riquíssimo de livros dirigidos ao público infantil e infanto-juvenil. Uma delas é Gli amici di casa (Os amigos de casa), um drama em dois atos publicado pela primeira vez em 1856 e novamente em 1858, depois de ter sido divulgado em forma de manuscrito e debatido até dezembro de 1853. A obra foi inspirada em uma crônica passada na família florentina dos condes Pucci. Devido às críticas, pela não completa adesão aos cânones do drama, Collodi republicou a obra em 1862, revista e corrigida.

Em 1881, Collodi escreveu várias histórias no jornal infantil italiano Giornale per i bambini (Jornal para as crianças). Uma delas é a obra que o tornou imortal e reconhecido no mundo todo, As aventuras de Pinóquio. Uma história em que um boneco feito de madeira e de magia, sabe brincar, falar e mentir como um menino de verdade. As outras histórias, menos conhecidas pelo público infantil brasileiro, foram reunidas em um livro chamado Storie Allegre (Histórias Alegres), lançado em 1886 pela editora Paggi. Aqui no Brasil, o livro foi traduzido por Gabriella Rinaldi e lançado pela editora Iluminuras em 2001. Essas histórias narram as dificuldades que as crianças têm na escola, suas teimosias, brincadeiras e a relação com a família e amigos. Entre elas está a história de Pipi, o lo scimmiottino color di rosa (Pipi, ou o macaquinho cor-de-rosa), um seriado cômico onde o personagem principal possui as mesmas características de Pinóquio em uma espécie de sátira ao boneco.

 

Um livro de Carlo Collodi

Em suas obras, Carlo Collodi sempre registrou críticas à sociedade de sua época. Na obra As aventuras de Pinóquio não foi diferente. Collodi foi representante “de uma sociedade que começava a romper com cosmovisão aristocrática. ‘Era uma vez… um pedaço de pau’. É assim que começa a fábula, frustrando a expectativa do leitor de encontrar um rei” (ROSA, 2014, p. 31). A história faz uma sátira ao tradicionalismo da sociedade italiana e ao comportamento humano, seus vícios e sua insensatez, tornando-se um reflexo rico e movimentado da vida e da época do autor.

Em vários trechos do livro, o autor tece suas críticas. Uma delas é quando Gepeto resolve colocar o nome da marionete de Pinóquio:

“- Que nome vou lhe dar? — disse consigo mesmo. — Quero chamá-lo de Pinóquio. Esse nome vai lhe dar sorte. Eu conheci uma família inteira de Pinóquio: Pinóquio, o pai; Pinóquia, a mãe; e Pinóquios, as crianças, e todos estavam bem. O mais rico deles pedia esmola.” (COLLODI, 2004, p. 25).

Ou quando o dono do teatro de marionetes, Come-fogo, pergunta a Pinóquio qual é o ofício de seu pai:


— Como se chama o seu pai?
— Gepeto.
— E qual a sua profissão?
— Pobre.
— Ganha muito?
— Ganha tanto quanto é necessário para não ter nunca um centavo no bolso.” (COLLODI, 2004, p. 57).

O autor trata sobre pobreza, fome e frio o tempo todo em sua obra, porém quando Pinóquio vira um menino de verdade tudo se transforma.

“[…] em vez das paredes de palha da cabana, viu um belo quartinho mobiliado e enfeitado com simplicidade quase elegante. Pulando da cama, encontrou uma roupa nova preparada, um boné novo e um par de botas de couro que lhe caíam como luva.
Assim que se vestiu, colocou naturalmente as mãos nos bolsos e encontrou um pequeno porta-moedas de marfim, onde estavam escritas estas palavras: “A Fada dos cabelos azuis restitui ao seu caro Pinóquio as quarenta moedas e o agradece muito pelo seu bom coração”. Abriu o porta-moedas e, em vez das quarenta moedas de cobre, reluziam quarenta moedas de ouro, todas novinhas em folha.” (COLLODI, 2004, p. 200).

Porém, o jornalista, tradutor e crítico literário italiano Giorgio Manganelli, autor do livro “Pinóquio: um livro paralelo”, diz que esse tesouro que Pinóquio ganhou não significa riqueza, mas a sua transformação (2002, p. 191). No final do capítulo, Gepeto diz que essa mudança repentina na casa e na vida deles é mérito de Pinóquio por ter se tornado bom, trazendo, consequentemente, um aspecto novo e alegre também para dentro da sua família.

Outro trecho, bastante interessante, é quando Pinóquio descobre que teve suas moedas de ouro roubadas e corre ao tribunal para denunciar ao juiz os dois malandros que o haviam ludibriado. Mas, depois de ouvir com benevolência, o juiz dirige-se a dois cães vestidos de policiais e diz: “Aquele pobre coitado foi roubado de quatro moedas de ouro: peguem-no e coloquem-no na prisão.” (COLLODI, 2004, p. 94). E ali Pinóquio ficou por quatro meses. Para esclarecer esta prisão do personagem, Manganelli explica que a “condenação de Pinóquio demonstra que é uma sociedade coerente, capaz de misturar a benignidade com a punição da desventura e da ineficiência. Fazendo-se roubar, Pinóquio revelou-se ingênuo e, portanto, ineficiente” (2002, pp.105–106). Na vida, as pessoas são punidas pelos seus atos de tolice e ingenuidade, então, nesta cena, Pinóquio foi condenado a quatro meses de prisão por se deixar enganar.

A história trata de temas como: violência e ternura, alegria e tristeza, medo e coragem, fazendo com que as crianças mergulhem no mundo do boneco de madeira, encantando-se com as situações fantásticas e identificando-se com as travessuras de Pinóquio.

A história encanta, há mais de cento e trinta anos, adultos e crianças através de seu personagem. Em uma entrevista para a Folha Online, a versão na internet do jornal Folha de S. Paulo, o ator, diretor e produtor italiano Roberto Benigni comenta que o “personagem fascina porque é contraditório, uma mistura de Dom Quixote, Fausto, Hamlet e Édipo. É como um bombardeio de alegria, mas também de dor, perdas, buscas e de todos os ingredientes da vida.” (ISSA, 2002).

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Brasil Carlo Collodi História Itália Pinóquio

Fontes e Referências

Boa parte desse texto foi escrito por Luana Lacerda, 2016 — Monografia (bacharel em Comunicação Social) — Curso de Graduação em Produção Editorial, UniFiam-Faam, São Paulo.

Pinóquio no país dos paradoxos: uma viagem pelos grandes problemas da lógica, escrito por Alessio Palmero Aprosio, Editora Zahar;

Obrigado Val Felix, pela revisão do texto.

 

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