Dossiê Arcanos Maiores #5: O Imperador

“Se tens dificuldade em cumprir um intento, não penses logo que seja impossível para o homem; pensa quanto é possível e natural para ele, e que também pode ser alcançado por ti”. […] “Que as nossas “seguranças” não nos tirem a coragem de seguir em frente, para nunca pararmos no meio do caminho, e que Deus seja sempre o nosso porto seguro em qualquer lugar”.

Publicado em 29 de Fevereiro de 2020

 

A aproximadamente dois anos, publiquei aqui no site, toda a descrição de cada uma das 78 cartas do tarô clássico. De lá para cá, muitas experiências e conversas depois, esse conhecimento se expandiu, e agora vou publicar todo esse aprendizado atualizado.

 

A carta do Imperador é comumente relacionada a domínio, autoridade, segurança, poder e palavras correspondentes. Afinal, estamos diante um imperador vermelho, imponente em sem trono etc. E eu concordo com tudo isso. Mas como sabemos, o Tarô não usa nenhum símbolo em vão, por que um Imperador que significa um soberano acima de reis, para indicar esse domínio autoridade e segurança?

Vamos ver nesse texto, que ter esses atributos não é algo tão simples e fácil assim, afinal, se na Imperatriz vimos que ela tem o poder do amor, nesse arcano, vamos conhecer o amor ao poder.

Várias vezes em algumas tiragens de Tarô, parece que ao sair o Imperador fica subentendido que a vontade do consulente poderá ser exercida sem maiores obstáculos, fazer o que ele quiser, afinal, é o Imperador forte e seguro etc. etc. Mas se esse Arcano fosse representar apenas a realização de uma vontade sem empecilhos, acredito que a ilustração proposta seria outra, por que as implicações de ser um soberano humano, em um reino humano, são tão mais complexas, que fazer a vontade não é apenas um ato de ação, mas um ato político que muitas vezes terá imposição de rivais, interesses de outros ou mesmo limitações de recursos. É claro que aqui nesse arcano, não temos nenhum elemento indicando uma escassez ou oposição, mas qual foi o Imperador na história que governou sem qualquer tipo de desafio? Isso não fará que nosso personagem fique acuado, afinal, ele é seguro de que não terá rebeliões internas e nem invasões externas, mas isso não seu deu apenas por ele “achar” que não, e sim, por que ter construído essa estabilidade com o tempo.

 

Rei Lear

 

Na peça de Shakespeare chamada Rei Lear, temos uma boa representação de como a “vontade” do soberano, pode ser um problema tanto para ele como para os demais no reino. Na história o Rei Lear estava cansado dos afazeres do reino e resolveu que era hora de se aposentar passando a responsabilidade para as suas três filhas Goneril, Regane e Cordélia. Para que a divisão fosse justa, cada uma das filhas teria que dizer o quanto amavam o pai, e de acordo com cada declaração, receberiam uma parte do reino.

Ficai sabendo, assim, que dividimos nosso reino em três partes, sendo nossa firme intenção livrar-nos, na velhice, dos cuidados, bem como dos negócios, para confiá-los a mais jovens forças, e, assim, nos arrastarmos para a morte, de qualquer fardo isento.

A questão ai é que Lear, apesar da idade, não estava doente fisicamente ou algo do tipo, a decisão de se aposentar era somente para que ele pudesse aproveitar as vantagens da realeza para ter uma vida mais tranquila e descansar até o final da vida, ou seja, ele gostaria de se livrar das responsabilidades, mas sem abrir mão dos luxos e privilégios da vida da coroa.

A primeira filha a se declarar foi Goneril:

Senhor, amo-vos mais do que as palavras poderão exprimir, mais ternamente do que a visão, o espaço, a liberdade, muito mais do que tudo que é prezado, raro ou valioso, tanto quanto a vida com saúde, beleza, honras, e graça, como jamais amou filha nenhuma ou pai se viu amado; é o amor que torna pobre o alento e o discurso balbuciante. Amo-vos para além de todo extremo.

E assim, Lear deu a ela uma parte do reino para que ela governasse. Na sequencia, a segunda filha Regane fez a sua declaração para o seu velho pai:

De igual metal que minha irmã sou feita e pelo preço dela me avalio. No imo peito descubro que ela soube dar expressão ao meu amor sincero. Mas ficou muito aquém, pois inimiga me declaro de quantas alegrias se contenham na mui preciosa esfera dos sentidos tão só. Achei minha única felicidade na afeição de Vossa mui querida Grandeza.

Lear satisfeito, também deu parte do reino para que Regane governasse:

Que para ti e os teus fique de herança permanente este terço avantajado do nosso belo reino, em rendas, graças e extensão não menor em nenhum ponto do que em sorte coube a Goneril.

E então, chegou a vez da última filha, Cordélia se declarar:

Meu Senhor, nada.

Para o espanto de todos Cordélia não enfeitou belas palavras, mas sim, disse que nada tinha a declarar a respeito do amor que sentia por seu pai. Lear inconformado a ameaçava de não receber nenhuma parte do reino:

CORDÉLIA — Meu Senhor, nada.

LEAR — Nada?

CORDÉLIA — Nada.

LEAR — De nada sairá nada. Novamente dizei alguma coisa.

CORDÉLIA — Oh desditosa! Trazer não posso o coração a boca. Amo a Vossa grandeza como o dever me impõe, nem mais nem menos,

LEAR — Que é isso, Cordélia? Concertai um pouco vossas palavras, para não deitardes a perder vossa dita.

CORDÉLIA — Meu bondoso senhor, vós me gerastes, educastes e me amastes, pagando eu todos esses benefícios qual fora de justiça; com obediência e amor vos honro sempre extremamente. Por que têm maridos minhas irmãs, se dizem que vos amam sobre todas as coisas? Se algum dia vier a casar, há de seguir o dono do meu dever apenas a metade de meu amor, metade dos cuidados e das obrigações. Certeza é nunca vir a casar-me como as duas manas, para amar a meu pai por esse modo.

LEAR — Do coração te veio o que disseste?

CORDÉLIA — Sim, meu Senhor.

LEAR — Tão jovem e tão áspera?

CORDÉLIA — Tão jovem, meu senhor, e tão verdadeira.

O plano de Lear parecia perfeito, com toda a sua autoridade, ele poderia dividir o reino entre as filhas, abrir mão de suas responsabilidades, e assim viver uma vida de sossego e luxo enquanto as filhas assumiam as responsabilidades da administração da coroa. As duas primeiras filhas, conscientes da oportunidade de obtenção de poder, declararam belas palavras ao pai. Não sabemos se eram todas verdades ou apenas enganosas para conseguiram uma porção vantajosa da herança, mas pela sinceridade de Cordélia, podemos propor que as duas primeiras falariam o que fosse preciso para conseguir o que queriam (o poder), enquanto Cordélia, não iria mentir sentimentos apenas pelo poder, e não era o caso de que Cordélia não amasse o pai, e sim que ela o amava da forma como o dever lhe impunha, o amor de uma filha para com o pai e mais nada.

O Rei Lear furioso não lhe deu nenhuma parte do reino como herança e ainda a baniu para a França, ignorando a única pessoa que foi realmente sincera diante de uma oportunidade de poder. Isso é interessante por que mostra que as duas primeiras filhas fariam qualquer coisa pelo poder, o que deveria ter sido atentado pelo pai. No decorrer da história, Lear acaba ficando louco e vê seu reino ser devastado pela administração equivocada das suas duas filhas, e no fim, acaba de Cordélia retorna para salvar o pai e o reino, mostrando que o amor verdadeiro não é aqueles mostrado em belas palavras.

Nessa história, vemos como o desafio de ser o soberano guarda tantas armadilhas: o Rei Lear usou toda a sua autoridade para fazer o que ele queria (apesar de ser uma ideia louca), ele realmente a concretizou, mas as consequências disso e a cegueira que a ação dessa ideia provocou foram desastrosas para ele o para o Reino, sem contar que, ele afastou a única pessoa que talvez tivesse com ele sinceridade.

Muitas vezes quando lidamos com o Imperador no Tarô, é uma sugestão de que podemos sim, fazer a ideia, a vontade, e o desejo que queremos, mas que essa mesma possibilidade de ações, entorpece o juízo sobre as reais motivações do que queremos fazer, e as consequências que essas ações trarão, até porque não existe soberano apenas pelo título em si, o soberano existe por que existe um reino que é governado. No caso de Lear, ele escolheu abrir mão do seu dever e confiar nas palavras falsas de pessoas que queriam apenas mais poder, e aqui é onde chegamos ao grande ponto: toda autoridade trás consigo também a responsabilidade do dever.

 

O Rei Pescador

Uma das variantes da história arturiana do Rei Pescador, conta que um jovem rei estava andando pela floresta quando encontrou uma fogueira com um belo pedaço de peixe sendo assado. O peixe parecia muito agradável tanto ao olhos como ao olfato. O jovem rei com fome, o tirou das chamas e tentou prova-lo, e ao morde-lo sentiu um gosto maravilhoso, mas por estar muito quente acabou se queimando e deixando o peixe cair. A queimadura lhe deixou uma ferida, que a cada ano, se aprofundava mais e mais, mas ainda assim, o Rei sempre lembrava do sabor inesquecível que aquele peixe teve naquele dia, e nenhum outro peixe que lhe tenha sido preparado, conseguiu faze-lo superar a experiência que ele teve na juventude.

Nessa versão do conto inglês, o rei ao se deparar com algo agradável e que saciaria suas necessidades, não pensou duas vezes em obter esse algo e o consumi-lo, mas esse mesmo algo estava além do que ele poderia manter naquele momento (estava muito quente) o que acabou o ferindo, mesmo assim, ele nunca pode esquecer aquele sabor que teve durante alguns momentos. Podemos fazer uma analogia com o “sabor do poder” que muitas vezes teremos a oportunidade de experimentar, mas que talvez, ainda não estejamos preparados para aquilo, o que poderá nos ferir, mas uma vez que experimentamos esse sabor, nunca mais conseguiremos esquecer, e não nos contentaremos com mais nada que seja inferior ao que já experimentamos.

Em certas ocasiões de nossas vidas, teremos a oportunidade de agir como o Rei Pescador ou como o Imperador, com uma oportunidade de obtenção de poder única, mas que as vezes tal poder é além do que podemos controlar, ou no mínimo, não temos a maturidade suficiente para tal, e então, vamos nos ferir, mas quem experimenta o poder, dificilmente irá querer provar algo abaixo do que já foi experimentado, e essa frustração poderá ser uma ferida que irá crescer mais e mais, a eterna busca pelo poder ou status que já provamos no passado. As vezes a mensagem do Imperador é justamente a pessoa que deseja algo que já foi provado, mas que não está disponível como antigamente, o que leva o soberano a ter uma sensação de vida vazia, por não alcançar o que tanto deseja e o marcou em tempos vindouros.

Algumas pessoas ainda se quer percebem que estão presas a uma busca de um ideal passado, ou então a uma frustração por ter segurado o objeto de desejo e o deixou cair:

Muitos homens ocidentais são Reis Pescadores, e todo garoto ingenuamente tropeça em algo que é muito grande para si. Ele dá um passo na direção de seu desenvolvimento masculino, mas, por estar quente demais, “deixa-o cair”. É natural que apareça nele uma certa amargura: como o Rei Pescador, ele ainda não consegue viver com essa nova consciência, que ele tocou mas ao mesmo tempo não é capaz de “deixa-la cair” totalmente.

…porque sou um Rei Pescador, estou ferido, e, apesar de ter tudo, não consigo chegar à felicidade”. Mais um sofrimento soma-se à sua dor: a tão almejada felicidade está ao alcance de suas mãos mas para ele é intocável. O fato de ter todas as coisas que o poderiam fazer feliz não adianta, porque elas não cicatrizam as feridas do Rei Pescador, e ele sofre justamente pela sua incapacidade de tocar as coisas boas, a felicidade que tem ao seu alcance.

 

A Donzela Tenebrosa

Parsifal é escoltado em triunfo até a corte do rei Arthur e ali torna-se o centro de todas as atenções, o maior cavaleiro de todos os tempos no ciclo arthuriano, afinal, foi ele que conseguiu curar o reino encontrando a resposta do Santo Graal. Em sua homenagem prepararam três dias de festivais e torneios. Parsifal certamente o merece, por tantos desafios e provas que passou até o dia da conquista, sem dúvidas, ele se sente orgulho e satisfeito por ter realizado a maior das conquistas.

No auge das festividades dos três dias, a mais horripilante das donzelas aparece como um desmancha prazeres. Vem montada numa mula velha e decrépita, manca das quatro patas. Traz negros cabelos arranjados em duas tranças. Sua missão era a de mostrar, durante o festival para o herói, o reverso da moeda. Aliás, uma tarefa que executa com genialidade. Todos os presentes ficam paralisados. Ela então cita um a um os erros e atos estúpidos cometidos por Parsifal durante a jornada, todos os erros, os feridos, os mortos, as omissões e negligências. Desfia um sem-número de histórias dos cavaleiros que foram mortos devido aos fracassos de Parsifal, assim como as donzelas infelizes, das terras devastadas, das crianças feitas órfãs. Apontando-lhe o dedo, diz a Parsifal: “É tudo culpa tua!” O cavaleiro é humilhado e silenciado diante de toda a corte que, instantes antes, o colocava nos céus.

Com a mesma certeza de que o sol se põe, a Donzela Tenebrosa irromperá na vida de um homem sempre que ele atinge o ápice do sucesso. Poderíamos até imaginar que a própria realização deveria ser a melhor proteção contra a sensação de fracasso e falta de sentido, mas não é bem assim. É mais provável que o homem auto-realizado seja aquele que vai fazer aquelas perguntas sem respostas sobre o valor e o significado da vida. A Donzela Tenebrosa é a portadora da dúvida e do desespero.

Nesse relato do mito de Parsifal, vemos mais uma circunstância para testar a “segurança” que é apresentada como característica do arquétipo do Imperador. Parsifal deveria estar muito contente pelo festival feito em sua homenagem aproveitando toda a fama e honraria, mas quando os meios que ele teve que recorrer para conseguir chegar aonde chegou foram expostos a todos, toda a imagem de herói seria colocada a prova, será que a segurança e certeza dele dependeria da aprovação de outros do reino, ou mesmo com a reprovação de todos, ele ainda teria a consciência de ter sido o herói que salvou o reino?

Muitos que deram ouvidos a Donzela Tenebrosa talvez começaram a criticar e a ter uma imagem negativa de Parsifal, se o herói dar ouvidos a isso e achar que nada do que fez teve valor, ele se mostrou fraco e vulnerável a opiniões alheias. Se o Imperador transpassa uma imagem de não temer nem ameaças externas nem motins internos, não importa a imagem ou o valor que os outros acham que ele tem, e sim a própria consciência dele sobre seus atos e sobre o que ele governa, mesmo quando coisas ou pessoas aparecem para questionar os atos feitos, afinal, o Imperador não deve satisfação a ninguém dos domínios humanos.

 

Aspectos do arquétipo Masculino presentes no Imperador

O Arcano do Imperador representa três, dos quatro aspectos do arquétipo do Masculino:

O animus, tal como a anima, apresenta quatro estágios do desenvolvimento: o primeiro é uma simples personificação da força física — por exemplo, um atleta ou “homem musculoso”. No estágio seguinte, o animus possui iniciativa e capacidade de planejamento; no terceiro torna-se “o verbo”, aparecendo muitas vezes como professor ou clérigo; finalmente, na sua quarta manifestação, o animus é a encarnação do “pensamento”, uma fase superior, mediador de uma experiência religiosa ou uma tal qual onde a vida adquire um novo sentido mais amplo e evoluído. Como pode ser visto no texto seguinte dessa série, O Papa https://trilhas.diogenesjunior.com.br/dossi%C3%AA-arcanos-maiores-6-o-papa-ou-o-hierofante-a21d3ebea349

A primeira manifestação: o homem que é apenas força física, por exemplo, Tarzan:

 

 

segunda manifestação: o homem romântico ou poeta, por exemplo, príncipe Adam em “A Bela e a Fera”:

 

Essa manifestação apaixonada não se limita apenas ao amor por uma mulher, pode ser também por uma causa, como no dialogo do Rambo em “First Blood” (que também podemos interpretar como uma transição entre a primeira e a segunda manifestação):

 

terceira manifestação: o condutor do verbo, instrutor ou professor, por exemplo, Discurso da liberdade, em “Coração Valente”:

 

quarta manifestação: o homem superior, evoluído para uma visão mais ampla sobre guiar multidões ou ele mesmo, como por exemplo O Discurso de Charles Chaplin (O Grande Ditador -1940):

 

 

Patriarcado e a problemática do arquétipo Masculino

Como vimos, o Imperador é essencialmente um arquétipo masculino. Mas na nossa sociedade atual, o “masculino” está contaminado (na essência do significado) com uma ideia de patriarcado e machismo. Certa vez me deparei com o seguinte texto no Facebook:

 

Antes de entrarmos na questão do Imperador (arcano) nesse contexto, vamos primeiro explorar a questão do machismo e do patriarcado, para que compreendamos que esses dois conceitos não fazem parte da essência do masculino, e sim uma consequência, um produto, da nossa sociedade. Em setembro de 2017, publiquei um texto chamado “A redescoberta dos arquétipos do masculino: Onde estão, atualmente, os homens iniciados com poder?”, onde explorei justamente essa descaraterização do masculino.

 

O Patriarcado e o machismo

A crise da masculinidade amadurecida nos atinge em cheio. Sem modelos adequados, e na falta de uma coesão social e de estruturas institucionais para a realização dos processos ritualísticos, é “cada um por si”. A maioria fica à beira da estrada, sem ideia de qual seja o alvo de nossos impulsos de gênero masculino ou sem saber o que saiu errado nos esforços que fizemos. Sabemos que estamos ansiosos, à beira do sentimento de impotência, desamparados, frustrados, abatidos, mal-amados e pouco valorizados, muitas vezes com vergonha de sermos masculinos. Sabemos que limitaram a nossa criatividade, que nossa iniciativa enfrentou hostilidade, que fomos ignorados, subestimados, e que nos deixaram com a sacola vazia da nossa autoestima perdida. Submetemo-nos a um mundo onde os lobos se devoram, procurando manter à tona nossos trabalhos e relacionamentos, perdendo energia ou falhando.

O que acontece com uma sociedade quando os rituais por meio dos quais se formam essas identidades se tornam desacreditados? No caso dos homens, existem muitos que não foram iniciados ou que tiveram pseudo-iniciações que não proporcionaram a transição necessária para a condição adulta. Predomina a psicologia do Menino. Ela nos cerca por todos os lados, e suas marcas são evidentes. Entre elas, os comportamentos de atuação (action-out) agressivos e violentos em relação aos outros, tanto homens como mulheres; passividade e fraqueza, a incapacidade de agir de forma eficiente e criativa no que se refere a sua própria existência e para gerar entusiasmo e criatividade nos outros (homens e mulheres), e com frequência, uma oscilação entre os dois — agressividade/fraqueza.

 

Junto com o colapso do ritual significativo para a iniciação masculina, um segundo fator parece estar contribuindo para a dissolução da identidade do homem maduro. Esse fator, que nos foi mostrado por um esforço da crítica feminista, é o patriarcado: a organização social e cultural que vem governando o nosso mundo ocidental, e grande parte do resto do mundo, desde pelo menos o segundo milênio antes de Cristo até hoje. As feministas verificam o quanto a dominação masculina no patriarcado oprimiu e maltratou o feminino — as chamadas características e virtudes femininas e as próprias mulheres. Na crítica radical que fazem a esse sistema, algumas feministas concluem que, em suas raízes, a masculinidade, é essencialmente agressiva e que a ligação com o “eros” — com o amor, o relacionamento e a suavidade — se faz apenas pelo lado feminino da equação humana.

Embora algumas dessas percepções tenham sido úteis na defesa da liberação, tanto feminina como masculina, dos modelos patriarcais, acreditamos existir nelas sérios problemas. A nosso ver, o patriarcado não é a expressão de uma profunda e enraizada masculinidade, pois esta não é agressiva. O patriarcado é a expressão da masculinidade imatura. É a expressão da psicologia do Menino e, em parte, o lado sombra — ou louco — da masculinidade. Expressa o homem atrofiado, fixado em níveis imaturos.

O patriarcado, em nossa opinião, é uma agressão a masculinidade na sua plenitude, assim como a feminilidade no seu todo. Os que se prendem às estruturas e à dinâmica desse sistema buscam dominar igualmente homens e mulheres. O patriarcado fundamenta-se no medo masculino — o medo do menino, o medo do homem imaturo — em relação às mulheres, certamente, mas também em relação aos homens. Os meninos temem as mulheres. E temem também os homens de verdade.

O patriarca não aceita o pleno desenvolvimento masculino de seus filhos ou de seus subordinados, da mesma forma que não acolhe com prazer o desenvolvimento pleno de suas filhas ou de suas funcionárias. É a história do chefe no escritório que não suporta ver o quanto somos bons. Quantas vezes nos invejam, odeiam e atacam de forma direta e passiva quando buscamos revelar o que realmente somos em toda a nossa beleza, maturidade, criatividade e produtividade! Quanto mais nos tornamos belos, competentes e criativos, parece que mais hostilidade despertamos em nossos superiores, e até me nossos colegas. O que realmente nos agride é a imaturidade nos seres humanos, aterrorizados com os nosso avanços no caminhos rumo à plenitude do ser masculino ou feminino.

Ou seja, as origens ou as causas do patriarcado e do machismo na nossa sociedade não é o masculino pelo masculino, e sim, homens e mulheres imaturos que chegam a vida adulta com uma mente com medos e ansiedades de crianças. Por isso, não faz sentido essa proposta de que o Imperador é um “machista” bastião do patriarcado, ou então, considera-lo autoritário e malvado apenas pelo seu posto de poder (o império). Concordo que é difícil construir uma imagem diferente para a maioria das pessoas, afinal, o imaginário popular é construído muitas vezes pelo que temos de referência na cultura pop, como na série “Star Wars” onde o grande vilão entre as eras é justamente o “Império”, mas temos que fazer essa separação, do mundo lúdico do mundo real, e na própria história da humanidade temos exemplos disso.

Sobre o Imperador ser bom ou ruim, é um julgamento subjetivo de ser feito, por exemplo, na idade média um governante considerado “bom” muitas vezes era aqueles que seguiam a ética da igreja, mesmo que praticando atos de violência ou autoritarismo, se fosse em nome de “Deus”, eram considerados bons e justos. O mesmo vale para medidas que consideremos “boas” nos dias de hoje, mas que naquela época, seriam consideradas horríveis, por exemplo, acabar com a fome de pagãos, pode ser vista com bons olhos em pleno 2020, mas na idade média, uma autentica barbaridade. O que quero dizer então, é que se o governante é bom ou ruim não tem a ver com seus atos diretamente, e sim na época em que ele governa e principalmente quem são os governados.

Exemplos disso:

Rei Luís 9º que governou a França entre 1226 a 1270, proibiu o nepotismo, os duelos, os jogos de azar, a prostituição e a blasfêmia. E por ter aumentado o poder da igreja, foi até canonizado e virou santo (mas durante seu reinado perseguiu e matou judeus);

Imperador Augusto que entre 27a.c. a 14d.c foi o imperador de Roma, gostava de dar bons exemplos de virtude, mas “virtude” nada mais é do que viver de acordo com os bons costumes da época (época em que a pessoa vive). Logo, algumas ações virtuosas fazem mais sentido naquele momento do que nos dias de hoje:

Certa vez, ele se hospedou na casa de Vedius Pollio, um alto funcionário do governo. Durante a festa de boas-vindas, um dos escravos do anfitrião tropeçou e quebrou um copo de cristal. Vedius ficou irado e ordenou que ele fosse jogado em uma piscina cheia de lampreias. O imperador interveio: salvou o escravo, libertou-o e ainda mandou seus soldados quebrarem todos os copos de cristal do cruel anfitrião.

Trajano (Roma, de 98 a 117) fez a alegria do povo romano distribuindo trigo para mais de 200 mil pessoas, da aristocracia à plebe. Como mesmo assim muita gente ficava de fora, Trajano passou a sortear uma vaga no bolsa-trigo toda vez que morresse um cidadão. Mas a doação não era pura generosidade do imperador. Os pães, financiados pelas guerras romanas, faziam parte da política do pão e circo, que tentava distrair as massas com comida e diversão.

Já o Rei Jorge (Inglaterra, 1760 à 1920), governou durante uma época turbulenta e foi considerado um dos responsáveis pela perda das 13 colônias americanas. A verdade é que Jorge não queria muito saber de política e preferia passar seu tempo fomentando a lavoura e trocando ideias com fazendeiros sobre as coisas do campo, muitas vezes em visitas casuais não anunciadas. Sua postura levou a agricultura do país a um pico e lhe valeu o apelido de “Jorge Fazendeiro”. O líder também curtia astronomia, e financiou a construção do maior telescópio da época. Com ele, o astrônomo William Herschel descobriu o planeta Urano, em 1781.

Rei Açoca (Índia, 268 a 232 a.c), depois de matar mais de 200 mil pessoas na conquista de um reinado vizinho, Açoca teve uma crise de consciência. Convertido ao budismo, ele dedicou seus esforços à preservação de todas as formas de vida. Durante seu império, caça esportiva e sacrifícios foram proibidos, assim como a morte de peixes e pássaros. Para curar os animais feridos, Açoca criou o primeiro hospital para animais da história.

E por fim o Rei Singye Wangchuck (Butão, 1972 a 2006), abdicou da vida no palácio e foi viver em uma casa de madeira, longe dos excessos do poder. Para medir o desenvolvimento de seu país sem os estranguladores índices econômicos, criou o FIB (Felicidade Interna Bruta), que mede a qualidade de vida usando fatores como a quantidade de tempo livre e a preservação ecológica. Depois de 33 anos no trono, abdicou para que fossem realizadas as primeiras eleições do país.

O que podemos perceber com todos esses exemplos, é que o Arcano do Imperador não irá se encaixar na limitante e infelizmente mais comum visão de mundo dos nossos dias de que só existem dois lados de um espectro político social, (seja esquerda, direita, masculino, feminino etc.), vestido de uma moral boa ou ruim, as ações e consequências dessas ações são formadas por vários tons de cinza, quem vê o anjo destruindo uma cidade onde mora pode achar o anjo malvado, mas quem tinha inimigos na cidade considera o mesmo anjo um milagre. Não é o Imperador por si só, uma entidade boa ou ruim, tudo depende da ação do poder dele, no tempo, no espaço, nas pessoas e nas circunstâncias.

“Não se deve deixar de criticar; o que se deve, porém, é saber criticar”

 

Comentários sobre diferentes cartas do Imperador

 

A versão talvez mais conhecida desse Arcano, um autentico “Rei Vermelho” com uma energia de Marte (Áries), indicando a autoridade e energia de ação do elemento “fogo”. O que gosto dessa representação do Tarô de Rider Waite, é que a longa barba branca presente para representar a experiência, e ao mesmo tempo um corpo e feição mais jovem, indicando vitalidade para que não fosse confundido com uma ideia de “velhice” ou fraqueza. Por mais que seja uma carta Masculina, é interessante notar o equilíbrio entre a força feminina (o orbe) e a força masculina (o cetro), algo como o lado paterno tem uma essência feminina (o cuidar e o nutrir), mas ao mesmo tempo a autoridade do cetro. Sua feição transmite confiança e o poder da realização. Percebam como o olhar é fixo, uma pressão direta sobre o alvo. No hemisfério sul o mês Áries é marcado pelo Outono, e curiosamente a cena na carta é árida e seca, mas o poder de realização ainda está ali, já que no hemisfério norte, o mesmo mês de Áries marca a Primavera, para aqueles que conhecem o segredo do hermetismo (as sete leis do universo), sabem o que isso significa.

 

Já no Tarô de Marselha, o Imperador é retratado de lado, e como vimos na carta da Imperatriz no texto anterior dessa série, os dois personagens estão um encarando o outro, alguns dizem que é um olhar apaixonado, mas como relatei, na verdade é um olhar de oposição, já que só pode haver um na posição de líder do império, a Imperatriz com o poder do amor, e o Imperador com o amor ao poder. Outra retratação curiosa dessa retratação no Tarô de Marselha, é que a Imperatriz abraça o escudo, representando essa ideia de cuidado, já o Imperador apenas apoia o escudo com um dos pés dando a impressão de ser apenas uma ferramenta; A águia no escudo da Imperatriz está com asas erguidas como se elevasse voo, mas no Imperador a águia está com asas abaixadas como se pousasse ou repousasse.

E por que a águia? Nada no Tarô é atoa, o brasão com o símbolo da águia é a representação do império, comum nos séculos XVII, XVIII e XIX. E em alguns casos, quando o império era além de político uma representação da influência da igreja católica, era usada a águia bicéfala segurando uma espada (o reino dos homens) e um orbe (o reino de Deus). Vejamos alguns exemplos:

Brasão de Armas da Áustria-Hungria:

 

Brasão do Império Austro-Húbgaro 1867 a 1915

A ideia do brasão acima era representar todos os reinos da Hungria dentro do mesmo império:

 

Cada um dos onze reinos do Império e sua localização no brasão: como vimos, o imperador é o governante sobre reis.

 

O brasão do império Bizantino, representando tanto o governo do reino dos homens, como o governo do reino de Deus (na Terra);

 

Brasão do sacro Império Romano em 800a.c

 

Brasão do sacro Império Romano em 401d.c, quando o mesmo se intitulou um império político, e também religioso.

 

O Brasão atual da Federação Russa: um império soberano e com a própria “divisão” da igreja, já que a igreja católica na Rússia não é subordinada a Roma (Vaticano). No centro temos uma representação de São Jorge matando o dragão. Essa representação de São Jorge é uma referência ao Grão-Principado de Moscou ou “Moscóvia”, a entidade política antecessora do Império Russo, e o “dragão” sendo derrotado é uma referência ao Império Bizantino.

O grande objetivo ou símbolo da águia bicéfala é a imagem de soberania do império sobre qualquer autoridade seja humana ou religiosa. No Tarô o uso da águia de apenas uma cabeça (apesar do personagem segurar o orbe) é para evitar a associação do imperador como um católico, mas ao mesmo tempo, ter o domínio religioso (no sentido de conexão espiritual). No Tarô de Rider Waite não temos a águia, mas o personagem central possui os dois símbolos de autoridade sobre homens e a religião (o cetro, e o orbe).

 

No New Vision Tarot, que se propõe a mostrar os Arcanos de uma visão diferente, normalmente nas costas da carta, mostra o que temos atrás do trono do Imperador no tarô de Rider Waite: e aqui foi retratada a águia voando, e o “povo” diante do Imperador. Particularmente eu não gosto das representação desse Deck (algumas saem muito do sentido da carta), mas achei relevante o uso da águia gravado no trono;

 

Já no “Ancient Italian Tarot” o Imperador retratado é muito parecido com o Tarô de Marselha, mas a diferença aqui é que ao invés da águia ser retratada em um escudo, ela parece ser parte do trono e adornada em ouro. Apesar de não termos o orbe, o cetro que ele segura tem na ponta a águia bicéfala que vimos alguns parágrafos antes.

 

Já no Tarô Alquímico, o Imperador é retratado como uma representação do “Rei Vermelho” da Alquimia: a representação do princípio da energia masculina. Esse principio com o propósito da união com a Rainha Branca (a Imperatriz), afim de se encontrar a perfeição. Já dissemos aqui que o Imperador e a Imperatriz se olham em condição de disputa, por serem opostos, mas esotericamente, a perfeição se encontra na oposição, por que é ai que todas as coisas serão reveladas.

 

A união do Rei Vermelho com a Rainha Branca, é símbolo da união do masculino e feminino, Albedo e Rubedo. Em outras palavras, quando obtivemos o albedo (ter descoberto a luz divina em si mesmo), o “espírito” tem de ser pago (a águia para baixo), ficando Rubedo. Os dois leões com a cabeça unidas significa a natureza unificada do que foi obtido. De sua boca flui a água da vida.

No casamento alquímico, o rei sulfuroso e a rainha mercurial morreram, foram enterrados juntos e depois voltaram a viver totalmente rejuvenescidos. Dissolver e coagular, separar para se juntar: Solve et Coagula.

Mas, talvez o leitor se pergunte se é uma oposição ou união. Minha resposta é simples: ambos! Nada no tarô é atoa ou coincidência, o propósito dessa dualidade não é a predominância de um sobre o outro para que fique apenas um, e sim, que dessa disputa “nasça” um terceiro caminho: separar para juntar, tanto é que em uma das sequências das cartas, no tarô alquímico, a carta dos Enamorados representa a união desses dois polos:

 

 

No Tarô Hermético, apesar da ilustração não trazer traços comuns de outros baralhos de Tarô, vemos vários símbolos familiares: Áries, o Sol, além do título esotérico: “Filho da manhã” (o nascimento do Sol).

 

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