Dossiê Arcanos Maiores #6: O Papa ou O Hierofante

A alma do homem é naturalmente religiosa — Origenes

Publicado em 25 de Março de 2020

 

A aproximadamente dois anos, publiquei aqui no site, toda a descrição de cada uma das 78 cartas do tarô clássico. De lá para cá, muitas experiências e conversas depois, esse conhecimento se expandiu, e agora vou publicar todo esse aprendizado atualizado.

 

Introdução

Não importa se somos cristãos, espiritas, umbandistas ou ocultistas: os seres humanos tem naturalmente uma tendência a se aproximarem de uma doutrina ou filosofia religiosa. E isso se dá para termos algo para nos apegarmos, que nos dê certezas em um mundo cheio de imprevistos, coisas que não controlamos, poderes e mistérios que estão além do que nossos sentidos e esforços podem controlar:

O rugir dos leões, o uivar dos lobos, o bramido do mar tempestuoso e a espada destrutiva são porções da eternidade demasiadamente grande para o olho do homem.

Visto que a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais antigas e universais da alma humana, subentende-se que todo o tipo de psicologia que se ocupa da estrutura psicológica da personalidade humana deve pelo menos constatar que a religião, além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande número de indivíduos.

A ideia principal da carta, ou do arquétipo do papa, não é “religião” na definição mais simples da palavra, mas sim “representar tudo o que é ortodoxo e tradicional, mesmo até o ponto da ineficácia”. Essa ineficácia não é intrínseca, e sim por que as vezes a herança e os símbolos do passado frequentemente são mais importantes que o utilitarismo e a necessidade de mudança indispensável no presente ou perspectivas do futuro:

Certa vez, ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, que até então os comiam crus, experimentaram a carne assada e acharam-na deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado incendiavam um bosque. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo. Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.

As causas eram difíceis de determinar: na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos — os anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas. Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, técnicas para gerar fogo mais intenso etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. Um dia, um incendiador qualquer resolveu dizer que o problema era fácil de ser resolvido — bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o, então, em uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor — e não as chamas — assasse a carne. Tendo sido informado sobre as ideias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe:– Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar? E os conferencistas e estudiosos que, ano após ano, têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles se a sua solução resolver tudo, hein?– Não sei, disse o funcionário, encabulado.– O senhor percebe agora que a sua ideia não vem ao encontro daquilo que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo? Que outros países já a teriam adotado? O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me!– Não sei, senhor.– Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia — isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo.

Talvez essa seja o maior desafio desse Arcano, até que ponto queremos ou precisamos nos prender a uma tradição ou costume ao invés de topar algo novo e revolucionário, ou as vezes, estamos tão dispersos em caminho e rotinas que nunca deveríamos ter iniciado que precisamos voltar a antigas práticas para nos reencontrarmos.

Geralmente nos imaginamos como se fossemos os Arcanos, por que eles estão ali, “sozinhos” representando uma cena, mas aqui, vemos os dois padres a frente do papa, prostrados esperando um conselho ou uma benção, e aqui que o detalhe se faz importante, onde não é a questão de sermos a tradição, e sim ouvir os conselhos de quem é experiente e fundamentado nos diz, e por mais que aja a dadiva da resposta, essa resposta é útil para nós, para nosso tempo e propósito?

Encaro a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com o emprego originário do termo: “religio”, poderíamos qualificar a modo de uma consideração e observação cuidadosas de certos fatores dinâmicos concebidos como “potências”: espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais, ou qualquer outra denominação dada pelo homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a experiência ter-lhe-ia mostrado* suficientemente poderosos, perigosos ou mesmo úteis, para merecerem respeitosa consideração, ou suficientemente grandes, belos e racionais, para serem piedosamente adorados e amados

O conselho do Papa não é uma espada que se finca e perfura, e sim uma ponte entre o homem (ou o reino dos homens) até uma realidade sobrenatural divina (ou sagrada). Cabe a nós decidir se queremos atravessar essa ponte ou não.

Na carta anterior do Imperador, vimos uma manifestação do domínio do homem, mas o reino humano por si só, viverá para as coisas do homem, suas construções, suas ganâncias e ambições, necessariamente o império do Ego. Agora, o Papa aparece como uma figura para religar essa conexão do homem com a natureza, fazer parte de um todo maior:

O título “pontiff” (pontífice) relaciona-se com o pontifex latino, que significa ponte. Uma ponte entre o homem e Deus (Deus aqui seja ele qual for, ou até mesmo a “vontade do Universo”). Liga a experiência codificada da Igreja (simbolizada pelos pilares que se veem atrás dele) com a experiência viva e humanas a sua frente. Em áreas em que elas ainda não aprenderam (ou esqueceram) a prestar atenção à própria voz interior, ou perderam a conexão com ela, o Papa lhes oferece a sabedoria de um sistema de valores coletivos para apoia-las e guia-las ao longo do caminho.

Quanto mais o homem perdia contato com a própria experiência imediata do espírito, tanto gradativamente, através dos séculos, à medida que se envolvia nas complexas relações pessoais inerentes a uma sociedade individualista, competitiva, o homem chegou a sentir cada vez mais a necessidade da confissão individual e do aconselhamento em questões de consciência pessoal. Como porta-voz de Deus, é o arbitro final de todas as questões morais. É também ele quem determina a autenticidade final de toda experiência mística ou espiritual.

É importante ressaltar, que transpondo todo o significado do Papa para os nossos dias, a visão religiosa não nos completa mais. Sabemos que, a maioria das religiões que temos hoje, são mais parecidas com muros do que com pontes, pessoas presas em leis humanas, enganações, e rituais sem sentido ou preconceituosos. A própria visão de Deus está perdida, quem é Deus? Já que não o vejo naquela visão protestante de Deus punitivo que leva os pecadores para sofrer no deserto, nem aquele Deus católico que abençoa lideres que pregam contra meios contraceptivos, ou opções individuais de cada um sobre sexualidade. Nem mesmo o Deus dos homens, o capital, a fama e o prazer pelo prazer não é o Deus que quero. Nesse arcano temos uma das primeiras “forças” que nos empurram ao que parece ser o objetivo principal de todo e qualquer baralho de tarô: nos levar de volta a nossa verdadeira natureza, o Deus que devemos encontrar, é a nosso Eu interior, o Eu natural, o verdadeiro ser que somos, que não é as roupas que vestimos, as coisas que fazemos ou os lugares que frequentamos.

Veremos mais a frente em cartas como o Enforcado, ou a Torre, essas “forças” nos empurrando para esse encontro, mas aqui no Papa, no arcano número 5, é apenas um conselho: nada é e nada será tão sagrado quanto esse encontro com a nossa verdadeira essência, o íntimo da nossa alma, o verdadeiro Deus que não está nas paredes de uma igreja, ou nas palavras decoradas de uma oração.

Para onde foi Deus?, exclamou… vou lhes dizer! Nós o matamos, vocês e eu! Somos nós os seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu uma esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos quando desatamos esta terra do seu Sol? Para onde vai ela agora? Para onde vamos nós mesmos? Para longe de todos os sóis? Não estamos incessantemente a cair? Para diante, para trás, para os lados, em todas as direções? Haverá ainda um “em cima” e um “embaixo”? Não estamos errando através de um vazio infinito? Não sentimos na face o sopro do vazio? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não será preciso acender os candeeiros logo de manhã? Não ouvimos ainda o barulho dos coveiros que enterram Deus? Ainda não sentimos o cheiro da decomposição divina?… Os deuses também apodrecem! Deus morreu! Deus continua morto! E nós o matamos! Como havemos de nos consolar, nós, assassinos entre os assassinos! O que o mundo possuía de mais sagrado e de mais poderoso até hoje sangrou sob o nosso punhal; quem nos limpará este sangue? Que água nos poderá lavar? Que expiações, que jogo sagrado seremos forçados a inventar? […]

A oração foi criada para pessoas que nunca tiveram pensamentos próprios e que ignoram o que é a elevação da alma ou a experimentam sem dela se darem conta: que devem fazer essas pessoas nos lugares santos e nas circunstâncias importantes da vida que exigem repouso e uma espécie de dignidade? Para impedir pelo menos que elas incomodem, os fundadores de religiões, grandes ou pequenos, lhes recomendaram na sua sageza a fórmula da oração: longo trabalho mecânico dos lábios, aliado a um esforço de memória e a uma posição determinada das mãos, dos pés e do olhar! […]

[…] O que são estas igrejas senão túmulos e monumentos fúnebres de Deus?

 

O Hierofante e a Tiara Papal

 

Em alguns baralhos de tarô ao invés de “Papa” a carta é chamada de “O Hierofante” que muitas pessoas acreditam se tratar da pessoa em si, mas na verdade, o “Hierofante” não é a pessoa e sim a cruz tríplice que ele segura. Isso é relevante por que é muito comum acharmos textos dizendo que a única carta entre os Arcanos Maiores que é um objeto é a Roda da Fortuna, quando na verdade, o Hierofante também o é, o que reforça a ideia equivocada das pessoas sobre que o Hierofante seja o cargo que a pessoa ocupa, ou a pessoa em si.

O nome “hierofante” provem do grego “ίεροφαντης”, significando “o alto demonstrador da sacralidade”, a palavra provem da união de dois vocábulos gregos: “ίερος” (sagrado, santo) e “φανειν” (mostrar, manifestar, fazer visível, fazer brilhar). Esta cruz é muito usada na heráldica eclesiástica, sendo colocada nas mãos dos tenentes dos brasões papais.

As três barras horizontais, tal qual as três coroas da Tiara, representam as três funções do Papa, como Sucessor de Pedro: sacerdócio, jurisdição e magistério. A Cruz papal se diferencia da Cruz arquiepiscopal, por esta última apresentar apenas duas barras que cortam a haste.

 

Imagem do Papa Silvestre I portando o hierofante.

 

Acredito que a intenção de chamar a carta de Hierofante é justamente para não haver a confusão com a pessoa humana como o centro da narrativa, e sim, a posição, de ser uma representação da ligação sagrada entre o homem e Deus, independente de quem seja esse homem, e que certamente, vários vão passar por esse posto ao longo do tempo, mas a instituição sagrada continuará.

 

Tiara papal

A Tiara papal, Tríplice Tiara ou Tiara Tripla (em latim: Triregnum, em italiano: Triregno e em francês: Trirègne) é a “coroa papal, uma rica cobertura para a cabeça, ornamentada com pedras preciosas e pérolas, tem a forma de uma colmeia, possui uma pequena cruz no ponto mais alto, e também é equipada com três diademas reais”. Os papas poderiam usar uma tiara já existente, ordenando que seu tamanho fosse ajustado, ou poderiam confeccionar uma nova; ele recebia a tiara na cerimônia de coroação após sua eleição, que inaugurava seu pontificado, e uma vez que a “tiara é um ornamento não-litúrgico”, a partir daí era usada apenas em “procissões papais, e solenes atos de jurisdição”, sendo que “o papa, como os bispos, veste uma mitra pontifícia nas funções litúrgicas”.

 

A origem da tiara papal é incerta. Os historiadores concordam que trata-se de uma lenda a afirmação que o Papa Silvestre I (314–335) recebeu a tiara do Imperador Constantino como um sinal da liberdade e paz na Igreja. Segundo M. Pfeffel, Clóvis I ofertou ao Papa Símaco a tiara papal na igreja de São Martinho, em Tours no século V. Porém um ornamento branco usado na cabeça do papa é registrado pela primeira vez apenas na biografia do Papa Constantino no século VIII no “Liber Pontificalis”. Essa cobertura é chamada de camelaucum ou phrygium. De acordo com James Noonan-Charles e Bruno Heim, a mais baixa das três coroas apareceu na base da chapelaria branca tradicional dos papas no século IX, quando os papas assumiram efetivamente o poder temporal nos Estados Pontifícios, a coroa da base foi decorada com joias para assemelhar-se as coroas dos príncipes. Assim, esta cobertura de cabeça passou a se chamar Regnum. O termo “tiara” é citado pela primeira vez na biografia do Papa Pascoal II, no Liber Pontificalis, em 1118.

Bruno Heim sugeriu que uma segunda coroa foi adicionada pelo Papa Bonifácio VIII em 1298, na época do confronto com o Filipe, o Belo, Rei da França, para mostrar que a sua autoridade espiritual era superior a autoridade civil, assim a tiara passou a ser denominada de Biregnum. No entanto, um afresco da Capela de São Silvestre (consagrada em 1247) na igreja Santi Quattro Coronati, em Roma, representa um Papa vestindo uma tiara de pano com duas coroas, o que indica que o Biregnum tem uma origem anterior.

Os historiadores divergem quanto à data e quem acrescentou à terceira coroa, com a qual a tiara passou a ser denominada de Triregnum. São sugeridos os papas João XXII (1316–1334), Urbano V (1362–1370), Clemente V (1305–1314), Bento XI (1303- 1304), ou Bento XII (especificamente em 1334).

  • A coroa dupla assume, assim, o mesmo significado da autoridade pontifícia e imperial;
  • A terceira coroa vem acrescida, segundo alguns autores, durante o pontificado de Bento XI (1303- 1304), para outros no de Clemente V (1305–1314), ou ainda, para outros tantos, em 1334, com Bento XII, para demonstrar que o papa representava as três Igrejas triunfante, militante e purificadora, ou mesmo o domínio sobre as regiões do Céu, da terra e do Inferno, ou ainda a tríplice soberania do chefe da Igreja, consistente na soberania espiritual sobre as almas; regalias temporárias sobre Estados romanos; soberania eminente sobre todos os soberanos da terra e a quem se denomina “triregnun”.
  • Alguns consideram como um símbolo esotérico em referência a Alquimia: Sal, Mercúrio e Enxofre (A Teoria do Paracelsus);

Veremos mais referências a isso em alguns exemplos da carta do Papa/Hierofante no final do texto.

 

Aspectos do arquétipo Masculino presentes no Papa

O Arcano do Papa representa um dos quatro aspectos do arquétipo do Masculino, representa o quarto e último aspecto da manifestação, a manifestação do “pensamento”:

O animus, tal como a anima, apresenta quatro estágios do desenvolvimento: o primeiro é uma simples personificação da força física — por exemplo, um atleta ou “homem musculoso”. No estágio seguinte, o animus possui iniciativa e capacidade de planejamento; no terceiro torna-se “o verbo”, aparecendo muitas vezes como professor ou clérigo; finalmente, na sua quarta manifestação, o animus é a encarnação do “pensamento”, uma fase superior, mediador de uma experiência religiosa ou uma tal qual onde a vida adquire um novo sentido mais amplo e evoluído.

A primeira manifestação: o homem que é apenas força física, por exemplo, Tarzan:

 

segunda manifestação: o homem romântico ou poeta, por exemplo, príncipe Adam em “A Bela e a Fera”:

 

Essa manifestação apaixonada não se limita apenas ao amor por uma mulher, pode ser também por uma causa, como no dialogo do Rambo em “First Blood” (que também podemos interpretar como uma transição entre a primeira e a segunda manifestação):

 

terceira manifestação: o condutor do verbo, instrutor ou professor, por exemplo, Discurso da liberdade, em “Coração Valente”:

 

quarta manifestação: o homem superior, evoluído para uma visão mais ampla sobre guiar multidões ou ele mesmo, como por exemplo O Discurso de Charles Chaplin (O Grande Ditador -1940):

 

 
 

O Papa representa a instituição, a tradição e o costume

Por mais que o símbolo desse arcano seja principalmente o Papa, mesmo que representado ao centro, ele está ali representando a instituição ou uma tradição, e não ao contrário, ou seja, não é a tradição que irá ser o que o Papa for, o Papa nada mais é que o espelho de tudo o que está por detrás dele, e ele deve representar esses valores.

Na série “The Young Pope”, o jovem papa americano no primeiro discurso, se coloca como um libertário, propondo as pessoas para serem livres para fazerem tudo aquilo que a igreja sempre pregou contra. Mas a igreja não se dobrou aos conselhos desse novo papa, pelo contrário, as estruturas se moveram para tira-lo dali, já que por mais que ele seja o líder da igreja naquele momento, ele não falava de acordo com tudo aquilo que ela (instituição) deveria pregar:

 

Curiosamente, no último discurso do papa na série, ele cumpre o papel que o arquétipo se propõe, se prestar a ser além do que o mero protetor da igreja, ser uma ponte entre o homem e Deus, no sentido de uma relação espiritual verdadeira, do que um tradicionalismo dogmático:

 

O Papa então além de ser uma ponte, também será o protetor desses valores e costumes da instituição, a ponte que leva o homem a Deus é construída com tijolos da lei, tradição e doutrinas que são perpetuadas além (ou durante) o tempo.

No texto anterior dessa série falamos sobre o Imperador, como um representante do poder da autoridade sobre homens e sobre a igreja. E nesse personagem do Papa é uma representação de autoridade da igreja, e em alguns momentos da história, o Papa também era um Imperador sobre reis. Quem terá então mais autoridade entre um e outro?

 

O Papa na história: de São Pedro, à Gregório e Pio IX

São Pedro (1 a.C.- 67) foi apóstolo de Cristo, um de seus primeiros discípulos. É considerado o fundador da Igreja Cristã em Roma e o seu primeiro papa.

As principais fontes que relatam a vida de São Pedro são os quatro Evangelhos Canônicos, pertencentes ao Novo Testamento, escritos originalmente em grego e em diferentes épocas, pelos discípulos Mateus, Marcos, Lucas e João. O dia de São Pedro é comemorado em 29 de junho.

São Pedro nasceu na Betsaida, na Galileia. Filho de Jonas e irmão do apóstolo André, seu nome de nascimento era Simão (ou Simeão). Pedro era pescador e trabalhava com o irmão e o pai.

Por indicação de João Batista foi levado por seu irmão André para conhecer Jesus Cristo. No primeiro encontro Jesus o chamou de Kepha (pedra, em aramaico) Petros em grego. Nessa época de seu encontro com Cristo, Pedro morava em Cafarnaum, com a família de sua mulher.

Pedro fez parte dos discípulos mais íntimos de Jesus, tendo se dedicado a Jesus com zelo extremado, marcado por atitudes impulsivas, como quando usou a espada para defender seu mestre. Seu nome ocupa sempre o primeiro lugar nas listas de discípulos mencionados nos Evangelhos Sinóticos.

A posição de Pedro se firmou diante da declaração de Jesus: “Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu” (Mateus 16,18–19).

Após a morte e ressurreição de Jesus a liderança de Pedro se acentuou, conforme a narração na primeira parte do livro dos Atos dos Apóstolos. Além de presidir a assembleia apostólica que elegeu Matias como substituto de Judas, Pedro fez seu primeiro sermão no dia de Pentecostes.

“Glorioso apóstolo São Pedro, com suas 7 chaves de ferro eu te peço, eu te rogo, eu te imploro, abra as portas dos meus caminhos, que se fecharam diante de mim, atrás de mim, a minha direita e a minha esquerda. Abra para mim os caminhos da felicidade, os caminhos financeiros, os caminhos profissionais, com as suas 7 chaves de ferro e me dê a graça de poder viver sem os obstáculos. Glorioso São Pedro, tu que sabes de todos os segredos do céu e da terra, ouve a minha oração e atende a prece que vos dirijo. Que assim seja. Amém.”

Na oração acima a expressão sobre as chaves é relevante: o símbolo das chaves é uma referência a ideia que o Papa possuí a chave da casa de Deus, é ele ou através dele que qualquer pessoa poderá se chegar no local onde “Deus mora”, e da mesma forma, se o Papa achar por bem, poderá trancá-la afim de que ninguém mais possa entrar, seja para uma consciência comunitária de arrependimentos e/ou uma busca por mais santidade.

Pode-se dizer que foi um papa muito importante da história não só por ter sido o primeiro, mas porque, com base em seus deslizes (como ter negado Cristo três vezes no dia de sua morte, e questionar a missão divina de Jesus), outros líderes religiosos que vieram séculos depois questionaram o seu título de porta-voz de Deus, e logo, todos que vieram em seguida.

A Igreja Ortodoxa, fundada em 1050 por líderes religiosos de Constantinopla (atual Turquia) e a Protestante (fundada no século XVI por Martinho Lutero) foram as duas cisões mais importantes da história da Igreja e ambas utilizaram como argumento os erros de Pedro para contestar a hierarquia e autoridades papais.

Além de ter sido o primeiro papa de origem africana, foi responsável pelo início do processo que trouxe paz à Igreja depois de muitos anos de perseguição pelo Império Romano.

Sua aproximação ao imperador Constantino I garantiu a liberdade religiosa aos cristãos e ele inaugurou a residência papal em Roma, quando ganhou do novo imperador romano um palácio que seria sede do governo cristão. Por 770 anos os papas moraram no atual Palácio de Latrão, no Vaticano.

Foi também sob o seu breve comando que iniciou-se a construção da Basílica de São João. Foi a partir do papado de Melquíades que o cristianismo passou a ser a religião oficial de Roma.

Esse muita gente já ouviu falar, talvez por causa da corrida de São Silvestre, que ocorre em São Paulo todos os anos, no dia 31 de dezembro, dia da morte do papa.

Foi também um dos papados mais longos e importantes da história da Igreja Católica, e sua relação harmoniosa com Constantino I permitiu ao catolicismo expansão nas primeiras décadas de paz entre Igreja e Império Romano.

A polêmica que envolve o seu papado é que, quando do Concílio de Niceia, reunião que definiu a doutrina oficial cristã, a primeira declaração oficial de fé dos cristãos, Silvestre não participou, enviando emissários.

Foi o primeiro papa a quem foi atribuído o status de Santo, sem que tivesse sido perseguido ou morto por suas convicções religiosas.

 

Desde muito jovem, Leão Magno era um religioso fervoroso e, quando tinha apenas trinta anos de idade, já trocava correspondências com o papa que o ajudou a ascender dentro da Igreja, Celestino I.

Seu papado foi um dos mais longos da história e ele ficou conhecido pelo poder de negociação que tinha com grandes líderes de exércitos bárbaros que assolavam a Europa naquela época.

Por sua causa, Átila, líder do povo huno, poupou ataques à Roma, preservando a cidade de fiéis. O mesmo aconteceu anos depois, quando os vândalos pretendiam atacar o centro cristão do mundo. Mais uma vez, Roma foi poupada devido à intervenção de Leão I.

Também foi o primeiro líder da Igreja a declarar que os papas eram sucessores de São Pedro, tinham autoridade sobre todos os fiéis, e qualquer pessoa, mesmo bispos poderosos, que se opusessem a tal ideia, era extraditado.

Foi também o papa que defendeu a ideia de que Jesus Cristo tinha duas naturezas, uma humana, e outra divina (união hipostática).

Um papa desajeitado, nascido nobre, que foi parar na carreira teológica porque não conseguiu ingressar na carreira militar devido as crises de epilepsia.

Tornou-se sacerdote aos 27 anos de idade e foi eleito papa com um discurso liberal, em uma época em que a igreja estava dividida entre reformistas e conservadores. Apesar de se dizer liberal, teve um dos papados mais conservadores da história.

Foi em seu pontificado que estabeleceu como dogma a infalibilidade papal, medida que afirma que o papa está sempre correto em suas decisões, uma vez que age amparado pela assistência sobrenatural do Espírito Santo.

Depois de São Pedro, teve o reinado mais longo da história, e condenada qualquer ideologia que fazia parte do mundo moderno. Agia contra o judaísmo, o racionalismo, o comunismo, panteísmo, tudo que estivesse fora do que considerava as diretrizes católicas. Foi beatificado no ano 2000, sob muitas controvérsias.

Era o chefe da Igreja Católica e regente da Papal States partir de 13 de maio de 1572 até sua morte em 1585. Ele é mais conhecido por comissionamento e ser o homônimo do calendário gregoriano, que continua sendo o calendário civil internacionalmente aceito até hoje.

Com a morte do Papa Pio V (1566–1572), o conclave escolheu o cardeal Boncompagni, que assumiu o nome de Gregório XIII em homenagem ao grande reformador, Papa Gregório I (590–604), sobrenome do Grande. Foi um conclave muito breve, com duração inferior a 24 horas. Muitos historiadores atribuíram isso à influência e apoio do rei espanhol. O cardeal Carlos Borromeu e os cardeais que desejavam reforma aceitaram a candidatura de Boncompagni e o apoiaram no conclave, enquanto a facção espanhola também o considerava aceitável devido ao seu sucesso como núncio na Espanha.

O caráter de Gregório XIII parecia perfeito para as necessidades da igreja da época. Ao contrário de alguns de seus antecessores, ele deveria levar uma vida pessoal impecável, tornando-se um modelo para sua simplicidade de vida. Além disso, suas habilidades legais e de gerenciamento significavam que ele era capaz de responder e lidar com grandes problemas de maneira rápida e decisiva, embora nem sempre com sucesso.

O papa Gregório XIII é mais conhecido por seu comissionamento do calendário depois de ter sido inicialmente criado pelo médico / astrônomo Luigi Giglio e com a ajuda do padre / astrônomo jesuíta Cristóvão Clávio, que fez as modificações finais. O motivo da reforma foi que a duração média do ano no Calendário juliano era muito longa — pois tratava todos os anos 365 dias, 6 horas de duração, enquanto os cálculos mostraram que a duração média real de um ano é um pouco menor (365 dias, 5 horas e 49 minutos). Como resultado, a data do equinócio de inverno caiu lentamente (ao longo de 13 séculos) para 10 de março, enquanto o cálculo da data da Páscoa ainda segue a data tradicional de 21 de março.

Isso foi verificado pelas observações de Clavius, e o novo calendário foi instituído quando Gregório decretou, pela bula papal Inter gravíssimas de 24 de fevereiro de 1582, que o dia seguinte à quinta-feira, 4 de outubro de 1582, não seria sexta-feira, 5 de outubro, mas sexta-feira, 15 de outubro de 1582. O novo calendário substituiu devidamente o calendário juliano em uso desde 45 a.c, e desde então entrou em uso quase universal. Por causa do envolvimento de Gregório, o calendário juliano reformado passou a ser conhecido como calendário gregoriano (usado por nós no ocidente até hoje).

A transição foi amargamente contestada por grande parte da população, que temia que fosse uma tentativa dos proprietários de enganá-los com uma semana e meia de aluguel. No entanto, os países católicos da Espanha, Portugal, Polônia e Itália cumpriram. A França, alguns estados da República Holandesa e vários estados católicos na Alemanha e na Suíça (ambos os países foram divididos religiosamente) seguiram o exemplo em um ano ou dois, a Áustria e a Hungria seguiram em 1587.

No entanto, mais de um século se passou antes que a Europa protestante aceitasse o novo calendário. A Dinamarca, os demais estados da República Holandesa e os estados protestantes do Sacro Império Romano-Germânico e Suíça, adotaram a reforma gregoriana em 1700–01. Naquela época, o calendário registrava as estações em 11 dias. A Grã-Bretanha e suas colônias americanas adotaram o calendário reformado em 1752, onde quarta-feira, 2 de setembro de 1752, foi imediatamente seguida pela quinta-feira, 14 de setembro de 1752; a eles se juntou a última manifestação protestante, a Suécia, em 1 de março de 1753.

O calendário gregoriano não foi aceito na cristandade oriental por várias centenas de anos, e somente como calendário civil.

É curioso a relação de que no tarô a carta do Papa pode ter um significado de passagem do tempo, e vemos aqui que o calendário que usamos (um dos símbolos para marcamos a passagem do tempo) foi organizada através de um Papa.

O relâmpago e o raio precisam de um tempo, a luz dos astros precisa de um tempo, as ações precisam de um tempo, mesmo quando foram efetuadas, para ser vistas e entendidas.

 

O Deus interior

A conexão criada por essa ponte através do Papa até o sagrado ou até “Deus”, não é um “Deus” de uma religião, doutrina ou filosofia. Como vimos nesse mesmo texto, o sagrado nada mais é que o nosso verdadeiro “Eu”, quem deveríamos ser e não quem querem que sejamos. Na nossa sociedade atual onde as coisas que realmente importam perderam o valor, é cada mais difícil sair de um comportamento de manada e agir conforme um padrão, para ser e viver nossa verdadeira natureza. O próprio conceito de Deus que é mutável em cada cultura, nunca foi tão fraco, mesquinho ou baseado na barganha. O que na natureza, tem esse aspecto de barganha?

O termo “Deus”, por exemplo, expressa uma imagem ou um conceito verbal que sofreu muitas mudanças ao longo de sua história. Em tal caso não temos possibilidade alguma de mostrar, com a mínima parcela de certeza que seja — a não ser a da fé — se tais mudanças se referem apenas às imagens e aos conceitos, ou se atingem o próprio inefável. É verdade que podemos conceber a Deus não só como um agir em perpétuo fluxo, transbordante de vitalidade, que se transfunde em um número interminável de formas, mas também como um Ser eternamente imóvel e imutável. Mas a única certeza de que dispõe a nossa inteligência é a de que trabalha com imagens, representações, que dependem da fantasia humana e de seus condicionamentos tanto em relação ao espaço como ao tempo.

Na época em que os principais baralhos de tarô foram criados, ou até mesmo antes, as pessoas tinham um senso de moral, de responsabilidade, e caráter, de consciência talvez menos contaminados do que temos hoje em dia, nosso marketing, nossas “performances”, nosso capital tornou tudo um produto que pode ser comprado de uma prateleira, ou de uma postagem de Instagram com uma mensagem motivacional para alcançar engajamento, ou seja, nosso Deus é um deus exterior que age através de algoritmos, mas que não habita em nossos corações, e é aqui, que a ponte do sagrado tenta de estabelecer.

Transformaram-se a iluminação e coloração das coisas! Já não podemos compreender muito bem como é que os antigos homens sentiam as coisas mais comuns, mais frequentes, por exemplo, o dia e a vigília: como acreditavam nos sonhos, a vida no estado de vigília tinha para eles uma luz diferente. Do mesmo modo, o seu conjunto, iluminado, como estava pelo refletor da morte, do significado da morte: a nossa “morte” é uma morte completamente diferente, porque um deus irradiava deles; todas as decisões também, todas as previsões distantes: pois se possuíam oráculos, secretas advertências, e se acreditava nas profecias. A “verdade” era sentida de maneira muito diferente, porque o louco passava a ser seu intérprete, o que nos obriga hoje a rir ou a estremecer. Qualquer injustiça impressionava os sentimentos de outra maneira, pois se receava a vingança de um deus, e não a simples desonra, a simples punição civil. O que era alegria no tempo em que se acreditava no diabo, no tentador? E a paixão quando as pessoas viam à sua volta os olhos dos demônios à espreita? E a filosofia quando a dúvida era considerada como um dos mais perigosos pecados, blasfêmia para com o amor divino, desconfiança para com tudo o que era bom, elevado, puro e misericordioso? Nós repintamos todas as coisas de novo com novas cores, nunca deixamos de as repintar, mas que podemos nós contra o esplendor dos coloridos dessa antiga mestra!… Digo, a antiga humanidade.

 

Comentários sobre versões das cartas

Vamos agora analisar diferentes versões sobre ilustrações do arcano do Papa:

 

Começando com uma das versões mais conhecidas, o Papa no Tarô de Marselha, ressalta o sagrado presente no hierofante, reparem que o olhar do Papa é direcionado para o objeto, independente do conselho passado para os dois padres a sua frente, a referência, influência ou significado é transmitido através desse objeto. A Coroa Papal como já vimos no texto reforça essa característica e assim como a Sacerdotisa, os dois pilares representando esse “templo” onde o papa se encontra, ou em uma compreensão mais profundo a dualidade universal dos opostos. Uma coisa que compreendo nesse Arcano, é que essa conexão com o sagrado é imóvel, ou seja, o Papa está lá no lugar dele, e os interessados ou necessitados devem ir até ele atrás dessa conexão, e não ao contrário, ou seja, o sagrado não irá “atrás de ninguém”, afinal, você deve ir até a ponte, e não a ponte até você.

A Cruz desenhada em ambas as mãos do papa (ou nas luvas dele), ao meu ver, é a uma referência a Cruz da Ordem de Cristo, digo isso, por que não encontrei em minhas pesquisas uma informação clara se é esse o símbolo que está na mão dele, mas viram a semelhança, com o símbolo abaixo, que era usado pela igreja e pelos monarcas na época das cruzadas e nas navegações:

 

Outra referência possível, é que seja na verdade a Cruz de Malta, o significado dessa é mais próximo do Arcano, mas ela tem oito pontas, e na ilustração na carta, ela não tem esse formato (na carta tem apenas 4 pontas), por isso questiono se seria isso mesmo:

 

A cruz de Malta, também conhecida como a cruz de Amalfi, é o símbolo associado com a Ordem dos Cavaleiros de Malta (Cavaleiros Hospitalários) e, por extensão, com a ilha de Malta. A cruz é de oito pontas e tem a forma de quatro “Vs”, cada um unindo os outros em seu vértice, deixando as outras duas pontas expandiu-se de forma simétrica. Seu design é baseado em cruzes usadas desde a Primeira Cruzada. É também o símbolo moderno de Amalfi, uma pequena república italiana do século XI.

Em meados do século XVI, quando os cavaleiros estavam em Malta, o design familiar agora conhecida como a “Cruz de Malta” tornou-se associado com a ilha. A primeira evidência para a Cruz de Malta em Malta aparece nas moedas de cobre do Grão-Mestre Jean Parisot de la Vallette (1557–1568) e são datadas de 1567. Isto fornece uma data para a introdução da Cruz de Malta.

No século XV, os oito pontos dos quatro braços da mais tarde chamada de Cruz de Malta representava os oito terras de origem, ou uma divisão (Langues) da Ordem dos Hospitalários : Auvergne, Provence, França, Aragão, Castela e Portugal, Itália, Baviere (Alemanha) e Inglaterra (com Escócia e Irlanda).

Os oito pontos também simbolizam os oito obrigações ou aspirações dos cavaleiros:

  • viver na verdade
  • ter fé
  • arrepender-se dos pecados
  • dar prova de humildade
  • amar a justiça
  • ser misericordioso
  • ser sincero e incondicional
  • suportar a perseguição

Tanto a Ordem de São João (em alemão, o Johanniterorden ) e da Venerável Ordem de São João ensinam que os oito pontos da cruz representam as oito bem-aventuranças. St John Ambulance — principal serviço da organização da Venerável Ordem — aplicou significados seculares para os pontos como representando as características de um bom socorrista:

  • Observador (“para que ele possa observar as causas e os sinais de lesão”)
  • Delicado (“para que ele possa, sem dúvida impensadas, conhecer os sintomas e o histórico do caso, e garantir a confiança dos pacientes e dos circundantes”)
  • Engenhoso (“Que ele pode usar para o melhor proveito que estiver à mão para evitar mais danos, e para ajudar os esforços da natureza para reparar o mal já feito”)
  • Destreza (“que ele pode lidar com um paciente sem causar dor desnecessária, e utilizar aparelhos de forma eficiente e ordenadamente”)
  • Clareza (“para que ele possa dar instruções claras para o paciente ou os espectadores a melhor forma de ajudá-lo”)
  • Discriminação (“para que ele possa decidir qual das várias lesões demanda mais atenção, o que pode ser deixado para o paciente ou transeuntes fazer, e o que deve ser deixado para os médicos”)
  • Perseverante (“para que ele possa continuar os seus esforços, mesmo não sendo bem-sucedido da primeira vez.”)
  • Simpático (“para que ele possa dar o verdadeiro conforto e encorajamento para o sofrimento”)

Mas apesar da dúvida sobre qual símbolo é o da mão dele, esses significados da Cruz de Malta ligam ter uma vida sagrada com aspectos de ser um “bom homem”, que aproxima essa conduta com a Alquimia, onde o homem deve buscar ser “Ouro”, com postura de Observador, Delicado, Engenhoso, Destreza, Clareza, Discriminação (sentido positivo da palavra), Perseverante e Simpático.

Na minha visão, a questão de “pecado” relacionada a carta do Papa, não deve ser confundida com “pecado” no sentido cristão, ou seja, castidade, quaresma, etc., e sim no sentido de “pecado” para a própria consciência do indivíduo, por exemplo, se a pessoa tem uma determinada visão de mundo, “devo ter uma postura confiante, consistente”, e esse mesmo individuo, deliberadamente não optar a agir assim por negligência, preguiça ou desânimo, seria um pecado para aquele indivíduo.

 

Já no Tarô de Rider Waite, a postura do Papa está mais direcionada para frente, e parece ter um tom mais de exortação e aplicação da lei através do rigor. Diferente do tarô de Marselha, temos aqui duas chaves cruzadas, uma referência ao símbolo católico das “chaves do céu”:

As Chaves do Reino dos Céus (em latim na versão vulgata da Bíblia: Claves regni caelorum), também chamadas de Chaves do Reino de Deus, Chaves do Céu ou Chaves de São Pedro é um termo utilizado na Bíblia, em uma afirmação de Jesus ao Apóstolo Pedro, no Evangelho de Mateus, 16,19: Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligardes na terra, será desligado nos céus.

Existem diferentes interpretações sobre o significado desse termo, dependendo da denominação cristã. O Catolicismo refere-se às implicações da expressão como o “poder das Chaves” (potestas clavium), designando a autoridade suprema que Cristo concedeu a São Pedro, e a seus sucessores, os Papas, para governar a Igreja, os termos usado a seguir, “ligar” e “desligar” são duas expressões técnicas da linguagem dos rabinos que referem-se a “proibir” e “permitir” e “condenar” ou “absolver”.

 

Esse símbolo reforça o aspecto de condenação ou rigor na versão Rider Waite, já que uma chave representa a abertura (a benção) e outra o fechamento (a condenação). Esse aspecto também é uma referência ocultista ou kabbalista dos dois braços de Deus ou os dois lados da Árvore da Vida, o lado da Misericórdia, e o lado do Rigor.

 

No Tarô dos Corvos, temos a remoção de qualquer elemento cristão (exceto os vitrais ao fundo, claramente o de uma igreja), os símbolos são mais simples, porém temos a chave como símbolo, o que parece ser uma referência a abertura ou benção de algo que o corvo “mais iluminado” permite ou liga, para os corvos a baixo ou os corvos que o procuram.

 

No Tarot Mucha das autoras Giulia F. Massaglia e Barbara Noyenzo, o Papa parece ser uma mescla tanto do tarô de Marselha como o tarô de Rider Waite: o personagem central segura o hierofante, acima dele no estandarte temos o símbolo das “Chaves do Céu”, e a postura dele tem um certo ar de “inspiração” como se ele recebesse algo espiritual para o aconselhamento ou o perdão. O que reforça isso é a posição das pessoas que estão na parte inferior da carta, que parecem estar ou muito aflitas, ou muito agradecidas por algum conselho ou perdão.

 

No tarô Alquímico do Robert Place, o Arcano número 5 é chamado de Hierofante, mas curiosamente não temos esse objeto na carta. O personagem central apesar de ter a coroa papal, não parece um papa, ele se assemelha mais ao personagem Hermes Trismegisto, detentor ou até mesmo criador, das leis herméticas:

De modo simples e direto, Hermes Trismegisto, “Hermes Três-Vezes-Grande” é uma deidade sincrética que combina aspectos do deus grego Hermes e do deus egípcio Thoth. […] Hermes, o Mensageiro dos Deuses, teria vivido no Antigo Egito, numa de suas primeiras dinastias entre 3200 a.C. e 1500 a.C., quando a raça humana ainda estava em sua infância. Infere-se ainda que Hermes vivera com o Egito sobre o domínio dos Reis Pastores, Iksos, ou Irschu. Ou seja, Hermes teria vivido na mesma época de Abraão , sendo que algumas tradições judaicas afirmam que Abraão adquiriu parte de seu conhecimentos místico de Hermes, e as evidências deste fato realmente existem. Todos os preceitos fundamentais e básicos introduzidos nos ensinamentos esotéricos de cada raça foram formulados por Hermes Trismegisto. Até por isso, o Egito foi a terra da Sabedoria secreta e dos ensinamentos místicos. “Mestre dos Mestres”, Hermes foi o fundador da Astrologia, e descobridor da Alquimia, sendo aclamado como o pai da Ciência Oculta.

 

No Tarô das 78 Portas, o personagem parece mais um pastor no sentido hebraico da palavra, como Davi no tempo das 12 tribos de Israel. Ele segura uma chave que é o símbolo recorrente como já vimos, mas essa representação não me agrada, por que a ideia de ser um “pastor” e a postura dele estar de pé (ao invés de sentado dentro do templo), passa a imagem mais de um profeta, ou melhor, missionário que prega a palavra de “Deus” para converter mais pessoas ao “caminho”, mas essa visão fica muito destoante do significado clássico do Arcano. Alguns textos propõe que a ilustração nessa carta seja na verdade Pedro (como vimos mais cedo nesse texto, São Pedro foi o primeiro Papa), mas essa ideia não faz sentido, já que ao fundo parece ser Roma, e na época de Pedro, Roma não era o que é hoje. Inclusive, ao fundo é uma representação da basílica de São Pedro, construída séculos depois da morte do mesmo, construída em sua homenagem e representação, além de ser o túmulo onde supostamente São Pedro está enterrado até os dias de hoje, por isso essa basílica é também conhecida como o “túmulo do apóstolo”:

 

 

Já no Wild Wood Tarot, o arcano número 5 é chamado de “O Ancestral” e a representação é de um personagem ligado ao xamanismo, o que faz bastante sentido, já que um Xamã tem o seu conhecimento herdado dos ancestrais passado de geração em geração. Apesar de ser uma interpretação alternativa, com símbolos que não vemos em outros tarôs, a essência dos significados é bem coerente com o arcano.

 

O Papa no tarô Visconti Sforza, dispensa muitas explicações sobre a ilustração da carta, mas é importante e menção aqui, já que essa é a carta mais antiga do Papa conhecida, datada de 1450, é quase 300 anos mais antiga do que o Papa do tarô de Marselha.

Verbenna Yin, relata uma interpretação e pesquisa histórica interessante sobre a carta do Papa em um contexto medieval:

O arcano 5 é o primeiro onde aparecem outras figuras ao lado do símbolo principal, trazendo a ideia de que aqui se iniciam as primeiras inter-relações com as outras pessoas. Dá pra associar com a idade média das crianças ingressarem na escola, entre 5–6 anos as crianças estão iniciando sua integração no primeiro grupo, desenvolvem amizades e começam a perceber afinidades quando se dão conta que “gostam mais” de determinado amiguinho.

É no grupo que vamos percebendo em nós aquilo que somos; no grupo da escola estão aquelas crianças que brincam das mesmas coisas, assistem o mesmo programa de televisão, curtem o mesmo super-herói e grupos musicais. Começamos entender nós mesmos, enquanto indivíduos, pelo grupo ao qual pertencemos, pois estar naquele grupo vai nos mostrando quais as nossas preferências e reconhecemos o que é importante pra nós e o que não é exatamente nosso.

Levando isso para uma vida adulta e no contexto da época em que o tarot foi popularizado, o equivalente dessa ideia de grupo seria a Igreja, um lugar comum onde todas as pessoas se reuniam para receber orientações e confirmar suas ações como corretas dentro de uma determinada forma de ver o mundo e a vida.

A figura do Papa é essa confirmação de que estamos fazendo o correto, que nossas atitudes são coerentes aos olhos do grupo em que estamos inseridos, que pode ser a família, a escola, o trabalho ou até mesmo a igreja.

 

Já no Tarô Pagão, vemos uma cena onde pessoas queimam livros, e ao fundo um personagem que parece ser um líder religioso aprova a ação (ou pelo menos se agrada). A instrução religiosa também é confirmada pelo cenário ao fundo que tem em destaque uma igreja ou catedral. Na história humana tivemos alguns episódios onde por causa da igreja ou do papa, livros foram queimados. Na carta em si, não fica claro qual episódio está sendo relatado, mas ao que parece, é apenas uma referência, já que as roupas dos personagens parecem atuais e não algo medieval.

Queima de livros famosas, envolvendo a igreja:

A inquisição espanhola ou Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: extermínio de uma grande quantidade de livros, que queimava não somente a obra, mas muitas vezes seus autores. A inquisição foi uma instituição fundada em 1478 por Fernando II de Aragão e Isabel de Castela para manter a ortodoxia católica em seus reinos que atuou de 1478 até 1834. Esta Inquisição foi o resultado da Reconquista da Espanha das mãos dos árabes muçulmanos, e da política de conversão de judeus e muçulmanos espanhóis ao catolicismo. A Inquisição foi um importante instrumento na política chamada “limpeza de sangue” contra os descendentes de judeus e de muçulmanos convertidos.

A briga entre Henrique VIII e o Papa: entre 1536 e 1550 a briga entre Henrique VIII e o papa resultou na incineração de textos católicos, fazendo em cinzas cerca de 300.000 volumes;

As fogueiras das vaidades: Em 7 de fevereiro de 1497 aconteceu a mais famosa das fogueiras das vaidades. Partidários Girolamo Savonarola recolheram livros e outros objetos de artes ou cosméticos que teriam a capacidade de incitar ao pecado queimando-os em praça pública; Nesse caso não eram apenas livros, mas qualquer objeto que pudesse levar o homem a pecar:

Uma Fogueira das Vaidades (Italiano: Falò delle vanità) é a queima de objetos condenados pelas autoridades como causadores de pecado. A frase geralmente refere-se à fogueira de 7 de fevereiro de 1497, quando defensores do padre dominicano Girolamo Savonarola angariaram e publicamente queimaram milhares de objetos tais como cosméticos, obras de arte e livros em Florença, no último dia de carnaval. Tais fogueiras não foram idealizadas por Savonarola, mas eram atos comumente associados aos sermões ao ar livre de São Bernardino de Siena durante a primeira metade do século.

O foco dessa destruição estava explicitamente em objetos que pudessem tentar uma pessoa a pecar, o que incluía itens de vaidade como espelhos, cosméticos, vestes finas, baralhos e até instrumentos musicais. Outros alvos incluíam livros tidos como imorais, tais como as obras de Boccaccio, e manuscritos de música secular, além de obras de arte como pinturas e esculturas.

No livro e filme Fahrenheit 451, é contado sobre uma sociedade fictícia americana onde são proibidos possuir ou ler livros, e até uma força policial de controle é responsável por buscar e destruir tal itens:

Fahrenheit 451 é um romance distópico de ficção científica soft, escrito por Ray Bradbury (1920–2012) e publicado pela primeira vez em 1953. O conceito inicial do livro começou em 1947 com o conto “Bright Phoenix” (que só seria publicado na revista The Magazine of Fantasy & Science Fiction em 1963). Escrito nos anos iniciais da Guerra Fria, o livro é uma crítica ao que Bradbury viu como uma crescente e disfuncional sociedade americana. O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como “bombeiro” (o que na história significa “queimador de livro”). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

 

A ideia dessa carta é interessante, mas deixa muito fixa a ideia do lado negativo do controle ou dificuldade em aceitar mudanças desse Arcano, não dando espaço para o aspecto positivo da mesma.

 

No Tarô Hermético, o Papa chamado de “O Hierofante, Mago do Deus Eterno”, também parece uma referência a Hermes Trimegisto, ou ao menos, domínio sobre os elementos e questões alquímicas. O interessante disso é que na Alquimia para algo se tornar eterno, primeiro precisa morrer, e como vimos mais cedo, a imagem de Deus constantemente morre e renasce diferente em tempos em tempos na nossa cultura e sociedade.

 

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Fontes e Referências

PSICOLOGIA E RELIGIÃO — C.G. Jung;

Respostas a Jó 11/4 — C.G. Jung;

Matrimônio do céu e do inferno — Willian Blake (https://trilhas.diogenesjunior.com.br/matrimônio-do-céu-e-do-inferno-3947bf4d56cf e http://www.carcasse.com/sepia/willian.htm);

Juicio a la Escuela Cirigliano. Buenos Aires: F. T. Editorial Humanitas, 1976. In: CINTRA, Marcos, “Globalização, Modernização e Inovação Fiscal”. Política Fiscal. São Paulo : Saraiva, 2009/

Jung e o Tarô — Uma Jornada Arquetípica, Sallie Nichols;

Hierofante (Cruz) — https://pt.wikipedia.org/wiki/Hierofante_(cruz)

A Coroa — Diogenes Junior em Trilhas no Universo https://trilhas.diogenesjunior.com.br/a-coroa-77ec2fb038ee

Biografia de São Pedro https://www.ebiografia.com/sao_pedro/

10 Papas mais famosos da História https://www.ebiografia.com/papas_importantes_historia_igreja_catolica/

Gregório XIII https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Gregório_XIII

A Gaia Ciência, Friedrich Nietzsche (Textos 125, 127, 128 e 152);

V. O Papa (O Pontífice ou o Hierofante), O Arcano da Transcendência, da Iluminação, da Pobreza — Constantino K. Riemma (http://www.clubedotaro.com.br/site/m32_05_papa.asp);

Cruz de Malta https://pt.wikipedia.org/wiki/Cruz_de_Malta

Chaves do Céu https://pt.wikipedia.org/wiki/Chaves_do_Céu

Hermes Trismegisto | O Grande Sol central do Ocultismo, https://gavetadebaguncas.com.br/hermes-trismegisto/ (fonte e autor do texto desconhecido);

O Hierofante — individuação e empatia (Verbenna Yin) http://www.clubedotaro.com.br/site/m32_05_Hierofante_Verbenna_Yin.asp

10 LAMENTÁVEIS QUEIMA DE LIVROS NA HISTÓRIA HUMANA… http://www.listasliterarias.com/2014/02/10-lamentaveis-queima-de-livros-na.html

Fogueira das vaidades https://pt.wikipedia.org/wiki/Fogueira_das_vaidades

Inquisição espanhola https://pt.wikipedia.org/wiki/Inquisição_espanhola

Fahrenheit 451 https://pt.wikipedia.org/wiki/Fahrenheit_451

Obrigado Ingrid Pereira e Val Felix pela revisão do texto.

 

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