Dossiê Arcanos Maiores #2: O Mago

Uma nova jornada sobre as cartas do Tarô

Publicado em 25 de Maio de 2019

 

A aproximadamente dois anos, publiquei toda a descrição de cada uma das 78 cartas do tarô clássico de Rider Waite. De lá para cá, muitas experiências e conversas depois, esse conhecimento se expandiu, e agora vou publicar todo esse aprendizado atualizado.

Quando crianças, nós não conhecemos limites. Num curto período de tempo, aprendemos a falar sem nunca antes termos falado coisa alguma. Aprendemos a andar com nossos membros frágeis para explorar o mundo sem nunca antes termos dado um um passo sequer. Aprendemos a observar, a reconhecer, a alegrarmo-nos, a sofrer, e continuarmos nossas experiências de explorações e descobertas.
Quando crianças, conseguimos tudo isso, sim, por que temos o apoio de todos que nos cercam, mas principalmente por que em nenhum momento nós pensamos que não somos capazes.

É como se movesse dentro de nós o Espírito do Mago, que conhece e domina todos os aspectos do mundo. O Mago sabe que tudo lhe é possível, por que tudo provém apenas de sua vontade. Assim, o Mago apenas deseja, quer, tenta e, irremediavelmente, consegue. Somos todos Magos quando crianças, mas aos poucos vamos perdendo nossa magia, entregando-a ao acaso toda vez que duvidamos de nós mesmos.

Então é preciso notar que para realizar maior parte da coisas que desejamos, precisamos recuperar a magia da infância, precisamos recuperar o Mago que há dentro de nós, e fazer valer a crença de que confiando exclusivamente em nós mesmos, podemos ultrapassar qualquer fronteira!

 

O Louco, dissemos, expressa o espírito do folguedo, livre e despreocupado, com uma energia sem limites, que perambula pelo universo sem nenhuma finalidade específica. Sem se preocupar com o que pode acontecer até olha para trás por cima do ombro.

O Mago veio descansar, pelo menos temporariamente. Sua energia é dirigida aos objetos à sua frente, que ele separou para dar-lhes atenção especial. Estão colocados sobre a mesa da realidade que lhe restringirá a atividade dentro dos seus limites para que a sua energia não extravase e não lhe fuja, mas tenha um propósito direcionado. Ele, evidentemente, tem um plano. Está com a potência de fazer alguma coisa — de representar para nós.

O Louco é um solitário, seu método é reservado. Aparece de repente cantando “Primeiro de Abril!” e vai-se embora outra vez. O Mago nos inclui em seus planos. Acolhe com prazer a nossa presença em seu espetáculo de mágicas, convidando-nos, às vezes, a subir no palco como seu cúmplice. O Louco é um amador despreocupado; o Mago é um profissional sério.

 

Como a mágica do Louco é totalmente espontânea, ele, muitas vezes, fica tão surpreso quanto nós com o resultado. Se a coisa não dá certo, pouco se incomoda e salta para a nova aventura com um encolher de ombros. Com o Mago, porém, a situação é totalmente outra, pois sendo um artista dedicado, quando uma de suas criações falha, fica preocupado e procura compreender o porquê. Como a designação do Louco é zero, interessa-se por tudo e não quer saber de nada, mas o Mago, que é o Arcano número um do Tarô, interessa-lhe descobrir o princípio criativo único por trás da diversidade. Quer manipular a natureza, participar da criação, domesticar as energias.

Para um homem comum pode-se acreditar que “há forças invisíveis em ação”, seja por perigos à volta que causam doenças e a morte, sejam por fenômenos naturais, como o tempo e as estações que não podem ser controladas seja pela fonte de alimentos, plantas e os animais que, às vezes é farta, outra escassa, seja pelos espíritos no céu, na terra, nos animais e no fogo. Mas para o mago, todas essas forças estão sob controle dele e é por isso que esse domínio nos parece tão mágico.

Quando olham para o Mago, aqueles dentre nós que sentem um vazio ou um tédio em suas vidas serão atraídos pela vara levantada em direção ao céu. Mas a mágica real repousa naquele dedo apontado para a Terra. Aquela habilidade para criar lhe confere seu título, ou seja, não é a promessa do poder ou a postura de que se tem o poder, mas a real manifestação desse poder na realidade física.

Podemos aplicar a atitude do xamã ao nosso uso conjunto do baralho de Tarô. Estudamos as cartas, aprendemos a linguagem simbólica e até fórmulas específicas com o propósito de orientar os sentimentos que elas despertam em nós. Mas não devemos esquecer que a verdadeira mágica reside nas imagens em si e não nas explicações. Assim como o Mago, em que a magia não está na explicação do “milagre”, mas na realização e no mistério do milagre.

 

O xamanismo descreve uma das práticas religiosas mais antigas e difundidas da humanidade, baseada na crença em espíritos que podem ser influenciados por xamãs. Acredita-se que esses xamãs, homens e mulheres são “indivíduos especiais” com grande poder e conhecimento. Após entrarem em um estado alterado de consciência, eles são capazes de visitar outros mundos e interagir com os espíritos que vivem lá.

 

O lado negativo indica intranquilidade mental, alucinações, egocentrismo, querer demonstrar poder apenas por orgulho ou vaidade pessoal, medo, e particularmente, medo da loucura. Esse problema surge quando a energia, ou o fogo do espirito, invade a pessoa que não sabe como dirigí-la para uma realidade externa.

Pense no para-raios. Ele não só atrai a faísca, mas a dirige para o solo. Sem essa conexão com a terra, o raio queimaria a casa. O Mago negativo não deveria ser banido ou confinado, em vez disso, precisamos encontrar uma maneira de virá-lo corretamente para cima. Outro exemplo para nossa reflexão é quando o Mago usa o seu poder para prejudicar a outros, não para tomar o lugar que o outro ocupa, mas apenas pelo prazer da destruição.

Lembro do personagem do desenho animado do Dick Vigarista, que usava dos mais variados truques para atrapalhar os outros corredores, em vez de usar seu potencial para chegar à linha de chegada. Não me lembro de nenhum episódio em que esse personagem tenha ganho algo.

Vale a reflexão também que o nome da carta não é “O mágico”, e sim, “O mago”. Alguns baralhos de tarô e até mesmo alguns estudiosos do assunto veem o mago como aquele mágico de rua, fazendo algum truque para te enganar, principalmente no baralho francês de Marselha, em que o mágico retratado se assemelha a um típico golpista que usa truques para enganar os expectadores ou alguma artimanha para fazer algo sobrenatural, quando na verdade tem um truque sujo debaixo das mangas:

 

Porém, não enxergo esse Arcano dessa forma e, em toda minha relação com o Tarô percebi que o Mago é um ser poderoso e com um propósito nobre muito forte. E observe que agir de forma nobre está relacionado a um propósito de “a coisa certa a se fazer” na visão que o próprio mago tem sobre a realidade, diferente de um senso de “virtude”. Segundo Nietzsche, virtude é fazer aquilo que se foi ensinado a fazer, algo que a sociedade espera que você faça. Mas em uma sociedade corrompida, a virtude tem um valor menor ou deturpado: em uma sociedade corrupta e egoísta, ter virtude é um valor baixo.

Não é apenas demonstrar um poder mágico para exibição “show off”, existe um propósito em cada movimento e manifestação de suas ações. Se for para agir apenas para agradar um tipo de público, ele simplesmente nem agiria (ou se apresentaria). O vejo mais como aquele capaz de fazer coisas sobre-humanas ou sobrenaturais, com um objetivo muito maior para algo ou alguém — é aquele ser que pode realizar milagres.

 

A gravura Moisés tirando água da rocha (imagem acima) ilustra essa visão: aqui as pessoas sedentas, pintadas com mais destaque do que o próprio Moisés, são vistas apinhadas à saída das águas, ocupadas em beber à vontade. Ninguém parece preocupar-se com quem operou o milagre, muito menos o próprio Moises, entretido em brandir o cajado, concentrado na tarefa.

Ele não está localizado no centro da cena nem isolado dos outros. Ao contrário, aparece como um mero componente do grupo, unido ao seu povo emocionalmente pelo advento do líquido milagroso. O gruir das águas e o ritmo circular do desenho parecem enfatizar a ideia de que estamos assistindo a um evento que envolve dois polos de importância igual: à esquerda, a necessidade e a esperança do povo; à direita, a percepção e a dedicação de Moisés. Sem os dois fatores, nenhum milagre poderia ter-se registrado. Se as pessoas sedentas tivessem sido eliminadas da ilustração, o mago teria se tornado, inevitavelmente, a figura central. Sua mágica, se fosse operável, não teria passado de um truque arrogante, um passeio do ego a serviço da simples vaidade pessoal.

De acordo com Jung, todos os acontecimentos mágicos, parapsicológicos, todos os milagres têm um ingrediente em comum: uma atitude esperançosa e a expectativa da parte dos participantes.

Quando falamos sobre milagres, vale a reflexão de que milagre não é a ação em si e, sim, o significado ou a narrativa de quem percebe ou recebe esse milagre.

Por exemplo, eu posso fazer um truque agora e fazer sair fogo das minhas mãos. As pessoas ao redor podem olhar, aplaudir e ficar impressionadas com esse truque. Mas se essa ação não trouxer mudança, transformação ou redenção na vida dessas pessoas que me assistem, isso só foi um truque para impressioná-los e alimentar o meu ego. Afinal, não foi satisfeita a esperança de ninguém e nenhum propósito real foi cumprido.

Agora se eu usar qualquer conhecimento que eu tenho para falar uma frase que possa salvar uma única alma da destruição — alma essa, sedenta por salvação (seja essa salvação qualquer coisa que o indivíduo espera) –, isso é um milagre real, mais poderoso do que soltar fogo pelas mãos.

O ponto aqui é que é “O Mago”, e não “O Mágico”, que usa o seu poder para fazer coisas incríveis e inexplicáveis com um propósito claro de manifestação na realidade física.

 

 

 

Simão Mago

“Simão Mago” ou “Simão, o Mago” é um personagem bíblico com quem o apóstolo Pedro travou polêmica em Samaria (Atos 8:9–24). Além do livro bíblico dos Atos dos Apóstolos, o personagem é referido em outras obras ligadas ao gnosticismo.

No decorrer dos séculos surgiram inúmeras biografias apócrifas sobre este personagem, fundamentadas em especulações diversas, dentre as quais uma o imputa de ter sido o fundador do Gnosticismo cristão. Tal atribuição é historicamente contestável, todavia, pode ser aceita de um ponto de vista simbólico.

Ainda conforme especulações, Simão Mago seria talvez o gnóstico Simão, discípulo de Dositeu, um sábio cripto-judeu que havia se tornado herói messiânico dos samaritanos e de quem, afirma-se, Simão teria roubado a esposa, dita Helena, uma ex-prostituta oriunda de Éfeso.

Outros relatos hipotéticos também apontam Simão como tendo sido discípulo do profeta João Batista — ou que ele e o apóstolo Pedro teriam sido a mesma pessoa.

O que se pode afirmar de concreto é que Simão tornou-se figura controversa da literatura antiga e medieval e da propaganda cristã. Uma síntese do que foi dito a seu respeito está contida no livro Apologia (c. 150) de Justino Mártir. Por meio dele ficamos sabendo que Simão dizia-se “manifestação do Deus Supremo” –, o que é repetido por seu sucessor Menandro (o gnóstico).

Descobrimos também que o sistema filosófico de Simão parecia baseado em uma cosmogonia sírio-fenícia e compreendia uma elaborada angelologia e astrologia. São Justino menciona ainda a existência de um altar consagrado a Simão na Ilha do Tibre, que, de fato, foi reencontrado em 1574 contendo a inscrição “Semoni Sanco Deo Fidio Sacrum”. Esse “Semoni Sanco” era um deus dos sabinos, o deus dos pactos e da fidelidade.

 

O relato sobre Simão Mago em um dos livros apócrifos agnósticos:

Durante as viagens de Paulo e Pedro a uma ilha, realizando milagres e conversões (incluindo a do capitão do navio), a fama deles ia se espalhando até mesmo sobre a ilha que estavam para chegar. Essa ilha tinha como governador Nero. Nero tinha servo ou conselheiro um mago chamado “Simão Mago”.

Quando Paulo e Pedro chegaram e foram ter com Nero, Nero queria saber quem realmente era o mais poderoso, já que Simão Mago também dizia que o poder vinha de Deus. Iria iniciar-se, então, um combate de milagres para ver quem realmente agia com poder divino e quem agia usando apenas feitiçaria.

Simão Mago fez uma serpente de bronze falar, fez uma estátua ganhar vida, enquanto Pedro fez cegos verem, aleijados andarem e diversas outras curas no povo.

Ainda assim, para Nero todos esses atos mostravam apenas um “empate de poder” e para ele ainda não era possível dizer quem agia com poder divino e quem agia usando mera feitiçaria.

Para vencer a disputa, Simão Mago sobe em uma torre alta, na mais alta janela, salta e começa a voar pelo céu, a fim de demonstrar o seu poder divino. Pedro só observa e começa a rezar e a dizer que Simão Mago não está voando e, sim, que há demônios segurando-o para que não caia. Então Pedro pede que anjos apareçam e cortem os demônios. Assim, Simão Mago caiu dos céus até o chão e morreu pela queda.

A ilustração abaixo retrata esse relato do momento em que anjos atacam os demônios que mantem Simão Mago voando pelos céus:

 

Crowley sobre o Mago

O título francês desta carta no baralho medieval é Le Bateleur, o portador do bâton. ** Mercúrio é preeminentemente o portador do bastão: energia emitida. Esta carta representa, portanto, a Sabedoria, a Vontade, a Palavra, o Logos pelos quais os mundos foram criados […]

Logicamente também, sendo a Palavra, ele é a lei da razão ou da necessidade ou acaso, que é o significado secreto da Palavra, que é a essência da Palavra e a condição de seu pronunciamento. Sendo assim, e especialmente porque ele é dualidade, ele representa tanto verdade quanto falsidade, tanto sabedoria quanto loucura. Sendo o inesperado, ele desestabelece qualquer ideia estabelecida e, portanto, é enganador. Ele não tem consciência, sendo criativo. Se não consegue atingir seus fins através de meios limpos, ele usa meios sujos. As lendas do jovem Mercúrio são, portanto, lendas da astúcia. Ele não pode ser compreendido porque ele é a Vontade Inconsciente.

“Com a baqueta, Ele cria. Com a Taça, Ele preserva. Com a Adaga, Ele destrói. Com a Moeda, Ele redime. Liber Magi vv. 7–10.”

 

A varinha do Mago, como a batuta de um condutor de orquestra, é um instrumento destinado a concentrar e dirigir a energia. 

 

O Mago se demonstra de várias maneiras. Primeiro, como vidente, traz para a realidade presente ideias e potencialidades que, de ordinário, jazem escondidas de nós no futuro. A capacidade de adivinhar é, de fato, divina, pois através dela tocamos o mundo eterno dos imortais. Esse futuro nada mais é do que a nossa capacidade de percepção da realidade do presente:

Meus parabéns! Vejo que o senhor Ayrton é muito mais inteligente do que a princípio supus. Nessa imagem está toda a minha filosofia; 2 + 2 significa o presente; 4 significa o futuro. Mas, assim que escrevemos o presente 2 + 2, o futuro 4 já está predeterminado antes que a mão o transforme em presente lançando-o no papel. Aqui, porém, são tão simples os elementos que o cérebro humano, por si mesmo, ao escrever o 2 + 2, vê imediatamente o futuro 4.

[…] — “Vinte e dois!” — gritou uma voz da pagadoria. Era o meu número. — 2 + 2 também podem ser 22 — gracejei.

(Presidente Negro — Monteiro Lobato)

Outro modo com que o Mago faz predições com o tempo é por meio da sua capacidade de acelerar processos naturais em aparente desafio às leis do tempo.

Dessa forma, os jogos de adivinhação, além de propiciarem um “diagnóstico”, reprogramam o inconsciente, ajudando o consulente a modificar a situação em que se encontra. A adivinhação não é apenas a arte de decifrar problemas, mas sobretudo, a arte de descobrir alternativas: ajudar a escolher um futuro melhor dentre os diversos possíveis — , eis o que deveria ser o papel legítimo dos oráculos!

 

 

Um ferreiro acelera as transformações da consciência aplicando o calor do envolvimento emocional. Antigamente, os ferreiros eram considerados mágicos, cujos poderes se reputavam divinos, como evidencia o fato de que um deles era o deus olímpico Hefesto:

Hefesto (em grego Hēphaistos) é um deus da mitologia grega, cujo equivalente na mitologia romana era Vulcano. Filho de Zeus e Hera, rei e rainha dos deuses ou, de acordo com alguns relatos, apenas de Hera, era o deus da tecnologia, dos ferreiros, artesãos, escultores, metais, metalurgia, fogo e dos vulcões.

Como outros ferreiros mitológicos, porém, ao contrário dos outros deuses, Hefesto era manco, o que lhe dava uma aparência grotesca aos olhos dos antigos gregos. Servia como ferreiro dos deuses e era cultuado nos centros manufatureiros e industriais da Grécia, especialmente em Atenas.

Hefesto foi responsável por fazer boa parte dos magníficos equipamentos dos deuses e quase todo tipo de trabalho em metal dotado de poderes mágicos que aparece na mitologia grega é tido como tendo sido feito pelo deus; o elmo alado e as sandálias de Hermes, o peito de armas conhecido como égide, a célebre cinta de Afrodite, o cetro de Agamenon a armadura de Aquiles, os crótalos de bronze de Héracles, a carruagem de Hélio, o ombro de Pélops, o arco e flecha de Eros.

Hefesto também era conhecido por ser o mais decidido dos deuses.

Todos nós temos esse potencial de manifestação (criativa) do Mago em nossas vidas, na medida em que temos esse tipo de poder, somos presas da tentação demoníaca de abusar dele. Resistir à tentação requer alto grau de disciplina e autoconhecimento.

Shakespeare compreendeu o problema. Em A Tempestade, dramatiza tanto o problema quanto sua solução com o poder manifestado do Mago:

Aqui Próspero, um duque despojado do seu ducado pelas maquinações de antigos amigos, retira-se para uma ilha deserta, onde estuda as artes mágicas e planeja vingar-se dos que o traíram.

Através da sua magia, libera o espírito Ariel, aprisionado muito tempo atrás no tronco de uma árvore por uma feiticeira malvada. Mas Próspero, por seu turno, sujeita Ariel à escravidão, obrigando esse bom espirito a servir aos seus negros propósitos, que envolvem o conjuro de uma tempestade fatal capaz de provocar o naufrágio e a morte dos que o traíram.

Mais tarde, através da boa influência de Ariel, Próspero abandona voluntariamente o plano de vingança, faz amizade com os inimigos e liberta Ariel e outros que escravizara à sua magia negra.

No fim, renuncia para sempre a essa espécie de mágica, deixa a ilha onde reinara absoluto, e regressa ao continente da humanidade coletiva, onde jura viver a vida e usar os talentos criativos que possui de maneira mais humana e consciente.

Ou seja, o Mago, que inicialmente usaria seus poderes adquiridos na solidão para destruir seus inimigos, entende que seus poderes seriam melhores aproveitados se utilizados para evolução e crescimento de um número maior de pessoas, mesmo se essas forem inimigas que no passado quiseram destruí-lo.

A lenda conta que quatro grandes rabis (Akiva, Ben Zoma, Ben Azai e Aher), no século II, se dedicaram a estudos esotéricos e “entraram no paraíso”. A estória afirma que “um deles viu e morreu; o segundo viu e perdeu a razão; o terceiro viu e corrompeu-se. Só rabi Akiva entrou e saiu em paz”. Poderíamos, parodiando a lenda, dizer que a palavra mata, o símbolo enlouquece, o exemplo perverte e apenas o arquétipo realmente explica a linguagem — , pois ao comparar o real ao ideal, revela como a realidade extrapola seus modelos.

 

 

Chamando-o de “o conviva não convidado”, Alan MacGlashan equipara o Mago ao personagem central dos nossos sonhos, o Sonhador, que é o sujeito da experiência e o objeto observado dos sonhos, um guia fantasmagórico nos reinos do inconsciente. Acerca desse Sonhador, diz McGlashan:

“Como o misterioso Mágico do Baralho do Tarô, o Sonhador está continuamente fazendo o que parece impossível, virando de pernas para o ar nossos solenes princípios fundamentais do nascimento e da morte, manipulando o espaço e o tempo com empolgante imprudência, sem nenhuma consideração pelas nossas convicções mais estimadas e mais seguras. Os personagens do sonho, como os amigos e parentes, precisam ser levados a sério. Gostam de sentir que estamos interessados neles e no que fazem — que estamos envolvidos com eles.”

Sobre essa visão, repare como o personagem central do sonho — não sabemos como ele chegou até ali, ele simplesmente está — desempenha um papel que, a princípio, não entendemos e, mesmo assim, queremos saber o real significado:

“Acreditamos em sonhos e acreditamos que as pessoas podem viver uma vida paralela à vida real, uma vida vivida durante o sono”

(Nâlungiaq, uma netsilik)

 

O Mago também deveria representar a imagem do homem maduro e confiante, de palavras e ações consistentes, mas infelizmente na sociedade ocidental, sofre com a degradação desse símbolo, dessa imagem, o potencial masculino da criação cada vez mais fraco na psique do homem.

Na recente entrevista de Bill Moyes com o poeta Robert Ely, “A Gathering of Men” (Reunião de Homens), um jovem perguntou: “Onde estão, atualmente, os homens iniciados com poder?

A crise da masculinidade amadurecida nos atinge em cheio. Sem modelos adequados e, na falta de uma coesão social e de estruturas institucionais para a realização dos processos ritualísticos, é “cada um por si”. A maioria fica à beira da estrada, sem ideia de qual seja o alvo de nossos impulsos de gênero masculino ou sem saber o que saiu errado nos esforços que fizemos. Sabemos que estamos ansiosos, à beira do sentimento de impotência, desamparados, frustrados, abatidos, mal-amados e pouco valorizados, muitas vezes, com vergonha de sermos masculinos. Sabemos que limitaram a nossa criatividade, que nossa iniciativa enfrentou hostilidade, que fomos ignorados, subestimados, e que nos deixaram com a sacola vazia da nossa autoestima perdida. Submetemo-nos a um mundo onde os lobos se devoram, procurando manter à tona nossos trabalhos e relacionamentos, perdendo energia ou falhando.

 

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Fontes e Referências

· Alquimia e Tarô — Robert M Place;

· 78 Graus de Sabedoria — Rachel Pollack;

· O Tarô Cabalístico — Robert Wang;

· Jung e o Tarô — Sallie Nichols;

· Rei Guerreiro Mago Amante — A redescoberta dos arquétipos do masculino — Robert Moore e David Gillette;

· O Livro das Religiões — Editora Globo;

· O Grimório dos Quarenta Servidores — Tommy Kelly — Editora Penumbra;

· Reflexões sobre o Tarô #8 — Diogenes Junior (https://trilhas.diogenesjunior.com.br/reflex%C3%B5es-sobre-o-tar%C3%B4-8-erros-de-interpreta%C3%A7%C3%A3o-na-leitura-d789bdc7a298);

· ELIADE, M. Tratado Histórico das Religiões .São Paulo:Martins Fontes, 1993;

· ALLEAU, R. A Ciência dos Símbolos. Pg. 125. Portugual: Edições 70, 1982;

· A redescoberta dos arquétipos do masculino — Diogenes Junior (https://trilhas.diogenesjunior.com.br/a-redescoberta-dos-arqu%C3%A9tipos-do-masculino-5880cae8cbbd);

Obrigado Ingrid Pereira e Val Felix pela revisão do texto.

 

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